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Comércio em queda, protecionismo em alta

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Por Antônio Palocci
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Um dos efeitos mais graves da atual crise é a contração do comércio mundial. Ela vinha ocorrendo lentamente desde a eclosão dos problemas na área imobiliária americana em 2007. Mas em setembro do ano passado, após a quebra do Lehman Brothers, a crise financeira se exacerbou, secando as linhas de crédito para o comércio em todo o mundo. A desorganização do fluxo de comércio internacional é, desde então, assustadora. Esse é um duro revés na economia da maior parte das nações, pois atinge uma atividade saudável para os países e promotora de maior produtividade nas empresas. A Ásia, que tinha a exportação de manufaturas como mola principal para tirar centenas de milhões de pessoas da miséria, é a região que mais sofre. Atualmente o mercado de manufaturas apresenta capacidade ociosa porque, na esteira dos problemas de liquidez, há uma forte redução no consumo das famílias americanas, que representava 30% do consumo mundial. A maciça desorganização da economia americana, a partir do desmoronamento do seu setor financeiro, sugere, pelos seus reflexos no emprego, que essa contração não se reverterá imediatamente. O endividamento das famílias jovens e a perda do valor dos ativos e da poupança para a aposentadoria das famílias mais idosas pesam nas expectativas de ambas, levando-as a ser muito cautelosas e não gastar os recentes incentivos fiscais e ajudas governamentais. De fato, a taxa de poupança das famílias americanas está nos níveis mais elevados dos últimos 14 anos. Na Ásia, a queda da demanda se explica mais pela redução da renda corrente, em razão da retração do comércio internacional, do que pela queda de expectativas de médio prazo. Na medida em que o setor externo equivale a parcela significativa da produção desses países (China, 41,3%; Coreia, 45,6%; Tailândia, 73,8%; Malásia, 110,2%; e Cingapura, 230%), a contração tem efeito imediato sobre a massa salarial e o consumo. É nesses países - onde tradicionalmente o déficit fiscal e a dívida pública são pequenos e há grandes excedentes comerciais (como os EUA tinham ao final dos anos 20) - que uma política mais agressiva de expansão fiscal e benefícios sociais para reanimar a demanda tem mais chances de sucesso, mesmo que as famílias asiáticas tenham maior propensão à poupança. As ondas destrutivas da contração comercial já chegaram ao Brasil. As reduções nas exportações estão, desde setembro, persistentemente no campo dos dois dígitos, embora se observe uma pequena melhora mês a mês. Centenas de empresas de menor porte já deixaram de exportar. O efeito no emprego e na renda tem sido menor aqui, no Brasil, do que na Ásia, onde o comércio corresponde à parcela maior da produção. Mas ele existe e atinge empresas e produtores da melhor qualidade, que têm vencido com base na conquista permanente de produtividade. Nesses últimos anos o Brasil ampliou fortemente sua capacidade exportadora, diversificando mercados e assumindo a liderança no comércio de produtos minerais e do agronegócio. Mas mesmo no setor de manufaturas enfrentando uma duríssima concorrência com os asiáticos, muitas empresas brasileiras conquistaram importantes espaços. Essas empresas superaram o desafio da valorização do real nos últimos anos, mas verão suas exportações debilitadas ainda por um tempo, pois a recente desvalorização da moeda não será suficiente para compensar a queda de demanda nos países mais ricos. Na verdade, em termos de comércio, o mundo ficou realmente menor. Enquanto a crise financeira não for debelada, será muito difícil haver uma recuperação sustentada do comércio internacional. O desafio, portanto, é como compensar essas perdas - ainda que parcialmente - sem partir para o protecionismo, que começa a reaparecer como mecanismo de defesa em muitos países. O protecionismo pune o consumidor do país que o pratica em nome do interesse de determinados segmentos arbitrariamente escolhidos. Perversamente, pune também o esforço de produtividade das empresas e dos países que desenvolvem corretamente suas próprias vocações. A pesquisa e a inovação são gravemente prejudicadas por barreiras, subsídios e outras distorções que vão surgindo. Para lidar com esses novos desafios, países como o Brasil têm (assim como a China) a vantagem de um grande mercado interno e baixo endividamento das empresas e famílias. Assim, se a saúde do sistema financeiro e da área fiscal for preservada, há espaço para o crédito expandir e a economia se manter viva, sem trazer enfraquecimento maior para as contas externas, que são sempre o maior risco ao crescimento. Muitas das empresas atingidas pelo colapso exportador estão entre as maiores e melhores do País. Se forem ajudadas por um conjunto coerente de ações, poderão sobreviver a esse momento duro, ajustando suas vendas e produtos para a realidade atual e se preparando para a retomada do comércio, que virá mais cedo ou mais tarde. Garantia de crédito no curto prazo, espaço para ajuste, redução de risco regulatório e dos custos de conformidade à lei podem ser a melhor forma dos governos diminuírem as incertezas e as fricções da economia. Esses são mecanismos muito mais eficientes e justos do que o protecionismo. Afinal, o mundo aprendeu nos últimos anos que as trocas comerciais criam emprego e renda, desenvolvem vocações locais e regionais e ainda melhoram a produtividade de todo o tecido econômico. Se algum setor tem culpas por esta crise, certamente não é o do comércio. Antônio Palocci, deputado federal (PT-SP), foi ministro da Fazenda