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Opinião|Como se encher de popularidade

Sinal claro desta eleição é que nada pode ser mais popular que fazer o que precisa ser feito

Atualização:

O elemento comum às eleições municipais em todo o País, mesmo nos “grotões”, é o fuzilamento com desonra do “lulopetismo”.

Na conta nacional o partido perdeu 44,8% dos vereadores e quase 2/3 das prefeituras que tinha (de 638 para 256), e foi pouco, porque o PT destruiu a obra de vida de uma geração inteira e o pior ainda está por vir. Depois de passar arrasando pelo País real enquanto o baile prosseguia na Corte, a ressaca da tempestade começa, finalmente, a atingir seus autores. R$ 10 bilhões de déficit em junho, R$ 12,8 bilhões em julho, mais de R$ 20 bilhões em agosto. Vai em progressão geométrica a chuva de atestados de óbito de empregos e empregadores sobre o “cartório” insuspeitíssimo da Receita Federal. A Lava Jato, sem querer diminuir a importância da catarse que produziu, foi só uma coadjuvante nesta eleição, como atesta a performance do PMDB, o corréu “não sistêmico” dela. O PT foi esmagado mesmo pelo tal “conjunto da obra” de que vinha fugindo como o diabo da cruz.

O lado potencialmente positivo é a inédita janela de oportunidade que a virulência do desastre abre. Ele amarra uns aos outros, por uma necessidade básica de sobrevivência, todos os prefeitos, governadores e demais atores políticos eleitos domingo ou em campo há mais tempo. Estão todos igualmente falidos e, no extremo a que chegou a causa fundamental dessa falência, que é a apropriação do Estado por uma casta que não por acaso constitui o núcleo duro da militância petista, não há meio de sair da situação senão pelo desafio como nunca antes na História deste país do império incontestável do “direito adquirido” que está nos destruindo.

Repete-se a toda hora que “o sistema político brasileiro fracassou”. Essa não é a exata expressão da verdade. O sistema que está aí entregou exatamente aquilo que foi desenhado para produzir. A pedra fundamental em que se apoia é a falsificação da representação política do País real pela compra com dinheiro público dos sindicatos, dos movimentos sociais e dos partidos políticos antes mesmo de se apresentarem aos seus eleitores e simpatizantes. Segue-se, na arquitetura do desastre brasileiro, a blindagem dos governos constituídos pelos produtos dessa primeira distorção subversiva contra qualquer revide de suas vítimas, a não ser com enorme prejuízo imposto a elas próprias, como está acontecendo agora. E completa o anel de ferro a decretação da irreversibilidade perpétua de toda e qualquer mamata outorgada pelas criaturas desse caldo de cultura às castas por elas cooptadas para se apropriarem do trabalho alheio sem a obrigação de oferecer nada em troca, que é o tal “direito adquirido” que essa Constituição dita “Cidadã”, mas que de cidadania é a antítese, torna pétreo.

Continuar chamando as coisas pelos nomes errados é induzir ao erro de diagnóstico e excluir a mera possibilidade da cura. Daí a importância que “O Sistema” dá à “construção de narrativas” que garantam que toda leitura da realidade será distorcida e do foco absoluto que mantém no controle dos instrumentos de propagação dessas leituras distorcidas.

O que estamos assistindo nesta eleição é à pré-estreia da “disrupção” da hegemonia da “narrativa” distorcida da realidade nacional. Ela continua formalmente prevalecendo nos meios políticos, acadêmicos e artísticos, em parte da imprensa e em muito da internet “organizada”, mas o resultado prático produzido pelos seus autores no poder é mais forte que qualquer versão. Agora é de sobrevivência que se trata e quem se puser à frente dela será aplastado, como ficou demonstrado domingo.

A conclusão da eleição de 2016 libera o governo interino para expor o problema nacional inteiro. O Brasil está na iminência de se transformar num imenso Rio de Janeiro. Não haverá, muito em breve, dinheiro para os serviços básicos, para salários do funcionalismo nem para as aposentadorias e pensões na União, nos Estados ou nos municípios. As três reformas postas sobre a mesa por enquanto são genericamente essenciais, mas, como sempre, deus ou o diabo estão nos detalhes. Até onde se ventilou por enquanto, nenhuma põe dinheiro no caixa já, a não ser com mais prejuízo ainda para a mais que periclitante “galinha dos ovos de ouro” pela míngua das já esquálidas infraestruturas física, de saúde e de educação, as únicas que não estão cobertas pela intocabilidade automática que a “Constituição Cidadã” garante a tudo quanto o País oficial conseguir surrupiar aos cidadãos.

A “narrativa” falsa do momento é que as reformas necessárias são “polêmicas” porque requerem “decisões impopulares” dos governantes. O sinal claro desta eleição, no entanto, é que nada pode ser mais popular que fazer o que realmente precisa ser feito, e que quem ousar fazê-lo será carregado em triunfo pelos eleitores. Privatizar estatais feitas para o roubo e reapertar as “frouxidões deliberadas” que foram pendurando multidões de “não pobres” no sistema de assistência à pobreza, “não funcionários” nos quadros do funcionalismo, “não salários” isentos de IR nos mais polpudos salários públicos, “não trabalho” no serviço público; tudo isso garante avalanches de votos e píncaros de popularidade a quem abraçar a causa e desanuvia o horizonte futuro, mas não desarma a força devastadora do desastre presente. É essa e só essa a parcela do problema sensível à boa gestão que João Dória e outros candidatos vitoriosos venderam e o eleitorado comprou.

Não há como fazer o Estado voltar a um tamanho sustentável e conquistar uma popularidade ainda mais indiscutível senão desmontando os privilégios obscenos que tornam desembestados os números da Previdência que não são os que dizem respeito aos 33 milhões de quase misérias que ela remunera, mas sim os do milhãozinho de “marajás” que pesam, sozinhos, mais que todos os outros somados. Não há gestão que produza a mágica da necessária união nacional contra isso senão uma quase mágica gestão da política apoiada na arma invencível da verdade.

*Jornalista, escreve em www.vespeiro.com