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Opinião|Compra de votos e venda de almas

A Justiça Eleitoral terá de se reinventar em 2018 para poder coibir essa prática criminosa

Atualização:

Nas últimas semanas o Rio de Janeiro vem sendo o centro das atenções do Brasil. Pelas piores razões. E o assunto não é a violência urbana nem o Comando Vermelho.

Na semana passada causou perplexidade a decisão da Assembleia Legislativa (Alerj) daquele Estado determinando que não fosse seguida ordem judicial de prisão, determinada pelo Tribunal Regional Federal, de três deputados estaduais, um deles o próprio presidente da Alerj. Os três ficaram presos menos de 24 horas e um deles foi fotografado celebrando com vinho.

A sensação amarga de impunidade agravou-se muito diante da cena grotesca do bloqueio das galerias para o povo na sessão de votação, não obstante ordem judicial assegurando o acesso. Chama a atenção o fato de o deputado Wagner Montes, que presidiu a sessão e se tornou conhecido ao apresentar programas populares de televisão – Aqui e Agora e O Povo na TV –, ter agido, com relação às galerias, como se o prédio do Legislativo estadual não fosse da sociedade, e, sim, dos políticos.

Foi no mesmo Rio de Janeiro que Sérgio Cabral cometeu os delitos contra o patrimônio público que lhe custaram mais de 70 anos de penas prisão – aliás, todos os governadores fluminenses eleitos desde 1998 estão presos ou cassados. Lá, também, cinco dos seis conselheiros do Tribunal de Contas foram presos por esse mesmo tipo de delito. E todos os presidentes da Alerj desde 1995 foram presos ou cassados.

Anteontem foi a vez de os ex-governadores Rosinha e Anthony Garotinho serem presos, pela prática criminosa de compra de votos em Campos, na Operação Chequinho. Numa ocasião em que Garotinho já havia sido preso pelo mesmo motivo, sua filha, a deputada Clarissa, veio a público bradar contra a injustiça cometida, enfatizando que o pai não tinha seu nome mencionado na Operação Lava Jato.

Agora a alegação que logo se ventilou é a de que sua prisão seria uma retaliação por ter delatado Sérgio Cabral. É nítido que a ideia que se quer transmitir é de que a compra de votos seria quase um crime anão, ou uma contravenção penal, perto das grandes falcatruas descobertas pela Lava Jato.

A tese tem a mesma dose de conveniência quanto de inconsistência. A criminalização da compra de votos integra o universo de preocupações essenciais do Direito Penal Eleitoral, voltado para coibir abusos do poder econômico, que simplesmente destroem as bases éticas e leais de uma disputa eleitoral, assim como o caixa 2 eleitoral (doações de campanha não contabilizadas).

Ambas as condutas fazem parte de um terreno de ações que deturpam o ambiente ético de uma disputa eleitoral genuinamente republicana. Não prevalece o candidato que apresenta as melhores propostas para o bem comum, mas o que corrompe o eleitor. Sim: estamos falando de corrupção eleitoral.

Quando há compra de votos – e tanto Garotinho como Rosinha foram eleitos –, a chegada ao poder é viciada, não fruto da vontade livre da maioria do eleitorado. E se o candidato é capaz de comprar os eleitores, do que mais será capaz, com o poder de gestão? Se o candidato recebe dinheiro via caixa 2, de fonte desconhecida (pode ser oriundo do Comando Vermelho, do PCC, da máfia russa, chinesa, japonesa ou italiana), pode usá-lo até mesmo para a compra de votos.

São hipóteses claras em que a competição pelo voto se torna desigual, em que o jogo é sujo, há trapaça, deslealdade, e se sabotam a essência democrática e os princípios republicanos. Por isso, a justa preocupação em coibir esses abusos do poder econômico para garantir eleições honestas.

Desvios de recursos, apropriações de bens, exigência e aceitação de propinas são condutas graves também, mas não nos devemos enganar. Pelo tipo de lesão que causa, a compra de votos (corrupção eleitoral) é também crime grave. Mas a verdade é que é difícil na prática a sua comprovação, o que pode servir como fator de estímulo à reiteração e explicação para a impunidade desse tipo de conduta, que, lamentavelmente, ainda é frequente no País.

A Justiça Eleitoral precisará reinventar-se em 2018 para encontrar caminho mais inteligente visando a coibir essas práticas, pois velhas raposas da política assediam os mais vulneráveis socialmente e muitas vezes estes cedem sem se dar conta das consequências que a venda do voto acarreta. Ou seja, de que estão vendendo sua alma e prejudicando a si mesmos, toda a coletividade e as futuras gerações.

Dessa forma, ganha mais peso o papel da Justiça Eleitoral como instrumento de proteção da sociedade, afastando postulantes ao poder político descomprometidos com o bem comum, diante da grave crise de representatividade que atinge o ápice neste momento em que o Fórum Econômico Mundial detecta que no Brasil temos os políticos com a menor credibilidade num universo de 137 países. Além disso, a pesquisa Lapop, da Universidade Vanderbilt (EUA), apontou que os partidos políticos no Brasil atingiram o menor grau de confiabilidade de todas as edições dessa pesquisa, realizada há mais de 20 anos. E a Latinobarometro 2017, após ouvir 43 mil pessoas em 18 países da América Latina, detectou que 97% dos brasileiros consideram que os políticos exercem o poder aqui em seu próprio benefício, e não para o bem comum.

Que não tenhamos dúvida alguma acerca do que está em jogo quando se compram votos e quanto à necessidade de punição vigorosa dessas condutas que sabotam a democracia e trapaceiam a República, sem jamais descuidar do respeito irrestrito ao direito à ampla defesa e ao devido processo legal.

*Doutor em direito pela USP, promotor de Justiça em São Paulo, é idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, comentarista do Jornal da Cultura e colunista do portal Poder360 e da Rádio Justiça do STF

Opinião por Roberto Livianu