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Opinião|Conferência de Londres

Atualização:

A Chatham House, o mais importante think tank da Inglaterra sobre relações internacionais, segurança e defesa, realizou recentemente a segunda London Conference, congregando políticos, acadêmicos e empresários, em grande parte, da Europa e dos EUA.

Participei de discussões que focalizaram as incertezas e as perplexidades do cenário internacional num momento de grandes transformações e de instabilidade política e econômica. Entre outros, foram examinados temas relacionados com a liderança global e, nela, o papel dos EUA e da China. A Europa e a ameaça à sua segurança, em especial a desconfiança em relação à Rússia e os problemas relacionados com a imigração, foram também tratados, assim como os conflitos regionais que se sucedem na cena internacional e as crises financeiras na economia mundial. Os novos desafios que surgem num mundo fragmentado e multipolar, com a negociação dos mega-acordos comerciais; os desafios da desvinculação do crescimento econômico do uso de recursos não sustentáveis; mais a possibilidade de os governos construírem um novo consenso com a identificação de interesses e soluções globais foram amplamente discutidos.

Em paralelo, foram tratados temas mais específicos, como segurança cibernética, a crise da Ucrânia, o ambiente cambiante do Oriente Médio, inovações para a urbanização sustentável, a responsabilidade pela saúde global e como imaginar um mundo sem guerras.

Boa parte das discussões focalizou temas de interesse direto dos países europeus. Em contraste com esse eurocentrismo, a América Latina não foi mencionada, a não ser de passagem e marginalmente.

Três temas despertaram maior interesse: a apresentação do ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) Pascal Lamy sobre os novos rumos do comércio internacional; a discussão sobre a governança global e o papel do Conselho de Segurança da ONU, além do novo papel da China, discutido por Joseph Nye, da Kennedy School of Government de Harvard, e WU Xinbo, do Instituto de Estudos Internacionais da Fudan University.

Lamy resumiu sua visão sobre as mudanças que estão ocorrendo no comércio internacional procurando caracterizar nesta área uma distinção entre o novo e o velho mundo. O velho mundo estaria chegando ao seu fim, centrado nas negociações tarifárias e barreiras não tarifárias que vêm ocorrendo desde 1945 no âmbito do Gatt e na OMC, num tipo de negociação que avança com dificuldade, como exemplificado pelo impasse da Rodada Doha.

A discussão sobre o acordo entre os EUA e a Ásia seria o último exemplo do velho mundo comercial. Já o novo mundo começa a ser plasmado pelo que ocorre hoje com a fragmentação da produção; com a emergência da China como o grande produtor mundial de bens industriais; com o aparecimento de cadeias de produção globais; e com os acordos de livre-comércio negociados fora da OMC e com regras inovadoras, entre as quais o princípio da precaução com a inclusão de normas e padrões (standards) preocupados com o consumidor. O acordo entre os EUA e a Europa simbolizaria essa nova tendência, que deverá trazer profundas transformações nas estratégias de negociação comercial de todos os países, inclusive e, sobretudo, do Brasil.

Em vista da crise do multilateralismo que afeta todas as principais organizações multilaterais (OMC, ONU, FMI, Banco Mundial), o esvaziamento do Conselho de Segurança da ONU, o órgão central do organismo responsável pela paz e pela segurança globais, mereceu atenção especial. Embora prevalecesse o ceticismo quanto à sua reforma, o presidente FHC, falando no evento, ressaltou as dificuldades vividas hoje pelo conselho, cuja representatividade ficou mais enfraquecida por não responder aos desafios que surgiram com as transformações globais e o aparecimento de novos atores, como os países emergentes, ainda não integrantes deste locus de discussão e tomadas de decisões que afetam todos os países.

O surgimento da China como uma nova potência global, com interesses diversificados em todos os continentes e com crescente presença regional, vem acrescentando grandes desafios para a comunidade internacional. Estaria havendo uma polarização com os EUA? A criação de uma ilha artificial no mar do sul da China, no meio de áreas disputadas por vários países, ignorando inclusive ameaças dos EUA, despertou debate acirrado com representantes japoneses, deixando clara a sensibilidade do assunto.

Quatro pontos que podem ser ressaltados como conclusão dos debates: a crescente divergência de interesses em matéria de governança global; as dificuldades para equacionar a questão das imigrações, com números cada vez mais impressionantes na Europa; a mudança de percepção e da atitude dos EUA em relação ao cenário global e as consequências da ausência de liderança global de Washington; e os desafios da crescente presença global da China.

Examinada em profundidade na London Conference foi a complexidade dos problemas que os países e as organizações internacionais passaram a enfrentar e a tentar resolver, coloca desafios cada vez mais difíceis para os formuladores de políticas em todos os quadrantes. Crescem as tensões entre os interesses nacionais – que os governos são eleitos para defender – e as dificuldades para a efetiva integração, uma das condições para o sucesso da economia global.

O Brasil, apesar de seu isolamento, não é exceção. Além de todos os desafios analisados durante o encontro, a complexidade do quadro político e econômico doméstico e sul-americano adiciona novos e urgentes desafios que terão de ser enfrentados com pragmatismo para resgatar a projeção e a voz de nosso país nos fóruns globais e para reinseri-lo nos fluxos dinâmicos de comércio internacional.

*Rubens Barbosa é presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp

Opinião por Rubens Barbosa