Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Conselho semiético

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Por Redação
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Vale citar este sucinto comentário do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ): "Precisa então estabelecer o semidecoro, a meia ética. Nenhum ser humano pode ser quase honesto" - ante a decisão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, por 9 votos a 4, derrubando a recomendação do relator, Nazareno Fonteles (PT-PI), que propunha a punição máxima (ou seja, a cassação) do deputado Edmar Moreira (sem partido, MG), o notório dono do "castelo" de R$ 25 milhões na zona da mata das Alterosas, que teria quebrado o decoro parlamentar ao utilizar as "verbas indenizatórias" em suas empresas de segurança (por sinal, em estado falimentar). A referência à meia ética se deve ao fato de o Conselho ter decidido como se julgasse que o deputado Moreira não tivesse quebrado "inteiramente" o decoro - embora possa ter quebrado "parte" dele... Assim, essa meia punição poderá consistir na suspensão de suas prerrogativas regimentais por até seis meses, conforme deliberação a ser adotada na próxima quarta-feira. Nessa hipótese o deputado punido ficará impedido de fazer discursos em plenário ou de publicá-los no Diário da Câmara, de ser presidente ou vice de comissões, de integrar a Mesa Diretora e de ser relator de projetos. Mas poderá participar de votações e, claro, receberá seus rendimentos de representante do povo normalmente - porque também ninguém é de ferro... Quando o deputado Edmar Moreira se tornou o corregedor da Câmara dos Deputados - investidura essa, aliás, que parece ter dado início a todos os seus problemas, uma vez que nas acolhedoras penumbras do baixo clero nunca tinha sido incomodado -, defendeu a já famosa tese segundo a qual os deputados têm "o vício insanável da amizade". Seus colegas do Conselho acabam de avalizar essa sua opinião. Apesar de ele ter usado R$ 230,6 mil da verba indenizatória, a que todo deputado tem direito, para pagar serviços de segurança de duas empresas de sua propriedade, a Ronda e a Itatiaia - das quais ele mesmo é o único "cliente" -, isso não foi considerado quebra de decoro parlamentar (pelo menos inteiramente). Mas foi seu fiel aliado, o deputado Nelson Meurer (PP-PR), que rejeitou mais enfaticamente qualquer tipo de punição para o ex-corregedor: "Eu tenho pensamento de que Edmar não cometeu deslize. A portaria da Mesa Diretora o absolveu", disse, referindo-se ao fato de que somente em março deste ano a direção da Câmara fixou regras que proíbem o uso de verba indenizatória para contratar empresas de propriedade de deputado. Na verdade, a defesa que tem sido feita do comportamento de parlamentares - deputados ou senadores - que usam dinheiro público para despesas que deveriam ser parte de suas contas privadas, decorre do fato de, antes, não ter havido proibição expressa - em lei ou nos Regimentos das Casas Legislativas federais. Quer dizer, se não "estava escrito" que aos ilustres representantes do povo é vedado o uso de verbas públicas no custeio de despesas privadas, os que assim agiram não terão cometido qualquer "deslize". O argumento, em si, é um atestado de que em nossas Casas Legislativas há uma ausência total de bom senso e de que nelas qualquer um pode locupletar-se, desde que isso não lhe seja proibido por regra expressa. Assim, o que vale para as "verbas indenizatórias" também vale para a "farra das passagens aéreas" e tantos cambalachos mais. Quanto ao espírito corporativo que poupou o deputado "castelão" de Minas Gerais - mas deve aplicar-lhe uma semipunição por sua meia quebra de decoro parlamentar - já é conhecido demais para provocar surpresa. Comenta-se, agora, que o deputado José Carlos Araújo (PR-BA), o escolhido pelo presidente do Conselho de Ética para redigir o novo voto de relator, tende a propor a suspensão das prerrogativas em vez da pura e simples absolvição. Ele já adiantou que vai estudar uma alternativa de punição, que seria a suspensão do mandato do deputado Moreira por 30 dias, proibindo-o de exercer qualquer atividade legislativa e até - pasme-se! - impedindo-o de receber salário e benefícios. Se isso ocorrer estaremos presenciando uma verdadeira revolução ética no Legislativo caboclo!