
28 de agosto de 2013 | 02h17
Demasiado cerebral para o temperamento da chefe, o ex-embaixador em Washington a decepcionava por não fazer e a irritava quando fazia. Embora o seu desinteresse por política externa a impeça de ter uma visão nítida dos fins e meios da ação diplomática, Dilma esperava do subordinado iniciativas vigorosas. Mas, quando ele mostrou firmeza ao se opor à incorporação da Venezuela ao Mercosul, enquanto o Paraguai, contrário ao ingresso, estava suspenso do bloco, Dilma mandou a Advocacia-Geral da União fazer um parecer favorável à jogada, e deixou o chanceler falando sozinho.
Outro episódio que contribuiu para manter Patriota na geladeira foi o envolvimento do Itamaraty no preparo de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, de que o Brasil participava à época como membro transitório, condenando com dureza as violências do regime de Bashar al-Assad na guerra civil síria. Dilma ordenou que o Brasil se distanciasse da articulação. Diante do retrospecto, poderia parecer que tinha caído a proverbial gota d'água que faltava para o naufrágio do chanceler.
Trata-se, evidentemente, da decisão solitária do encarregado de negócios da embaixada em La Paz, ministro Eduardo Saboia, de trazer para o Brasil, por terra, o asilado senador boliviano Roger Pinto Molina, a quem Evo Morales se recusava a conceder salvo-conduto. Patriota, pode-se dizer, foi o penúltimo a saber da bem-sucedida ousadia. Dilma, a última. Ela ficou enfurecida com a "grave quebra de hierarquia" - pela qual quer que o responsável pague caro - e equiparou a operação concebida pelo diplomata a uma oferta secreta de Evo, no começo do ano, que ela, sensatamente, rechaçou. Ele propusera que Roger Pinto fosse levado de carro até a fronteira com o Brasil enquanto as autoridades ficariam olhando para o outro lado. Ou seja, uma fuga consentida.
Nenhum governo que se pretenda sério poderia se acumpliciar com tamanha irresponsabilidade. De mais a mais, que garantias teria o Planalto de que Evo cumpriria a sua parte no acerto? E, ainda que cumprisse, o Brasil seria responsabilizado por qualquer acidente de percurso - em sentido literal e figurado - que vitimasse o fugitivo. Daí a dizer que o ato de Saboia tenha sido um desafio à recusa anterior de Dilma vai uma distância maior do que os quase 2,2 mil quilômetros que separam La Paz de Brasília. Mas o pior não é a injustificada indignação pessoal da presidente com o diplomata, como não seria a defenestração sumária do ministro por ser ele o seu superior último.
A destituição de Patriota é condenável porque se destinou a consolar o irascível Evo Morales, compensando-o pela perda de face que o incidente lhe impôs. Merecidamente, aliás, porque se há um culpado na história toda é ele. Para se vingar do político que o acusa de ter parte com o narcotráfico, o bolivariano ignorou a tradição interamericana da concessão de salvos-condutos a nacionais asilados em missões diplomáticas estrangeiras, enquanto o Itamaraty fingia negociar com La Paz uma saída para o impasse. (Saboia diz ter e-mails de colegas que constatam o faz de conta.)
Se Dilma errou ao demitir Patriota em solidariedade a Evo, acertou em cheio na escolha do sucessor. O diplomata Luiz Alberto Figueiredo, que assumira há dois meses a chefia da missão brasileira nas Nações Unidas, tornou-se uma referência mundial por seu desempenho como secretário executivo da Conferência Rio+20, no ano passado. Ao seu talento como negociador, ao lado da capacidade de gerir um evento daquele porte, somaram-se a percepção do interesse nacional em jogo e o sólido conhecimento da questão ambiental - a sua especialidade. Merece a chancelaria.
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