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Contra a jogatina

O projeto de lei é uma síntese de 17 propostas legislativas sobre os jogos de azar

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Por Redação
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Tramita na Câmara dos Deputados uma perniciosa proposta de liberação dos jogos de azar, sob o solene título de “Marco Regulatório dos Jogos”. Recentemente aprovado pela comissão especial criada para analisar o assunto, o Projeto de Lei (PL) 442/91 irá agora à votação do plenário. O projeto de lei é uma síntese de 17 propostas legislativas sobre os jogos de azar. Originalmente, o PL 442/91 tratava simplesmente da liberação do jogo do bicho. Agora, com redação do deputado Guilherme Mussi (PP-SP), o projeto legaliza e regulamenta as atividades de cassinos, jogo do bicho e bingos, bem como o funcionamento de máquinas de videobingo, caça-níqueis, apostas e jogos online. Na tentativa de transmitir a impressão de que os jogos de azar funcionarão dentro da mais completa legalidade, com um rígido controle estatal e sem risco de lavagem de dinheiro, o projeto prevê a criação de uma agência reguladora federal para fiscalizar essas atividades. Também propõe um esdrúxulo cadastro nacional de viciados em jogos - a lista dos ludopatas -, que ficariam proibidos de entrar nas casas de jogo. Tais medidas, obviamente, são insuficientes para impedir que os efeitos perversos da jogatina corroam o tecido social. O PL 442/91 nada tem de ingênuo. Além de liberar os jogos, ele propõe a anistia de todos os acusados da prática de exploração ilegal de jogos de azar e extingue os processos judiciais em tramitação. A comissão especial da Câmara ainda retirou a proibição de apostas com dinheiro em espécie. Como se vê, há parlamentares decididos a não impor muitas dificuldades a quem deseja usar o jogo para a lavagem de dinheiro. O discurso em prol da liberação do jogo sempre tem invocações de altas razões de interesse público. Exemplo desse modo enviesado de proceder é a justificativa apresentada no original PL 442/91, quando tratava tão somente da liberação do jogo do bicho: “Centenária, resistindo a tudo e a todos, a prática contravencional persiste indene à repressão estatal, graças à simpatia da sociedade, em todos os graus de sua estratificação, a demonstrar, somente por esta realidade inquestionável, que o ‘jogo do bicho’ deve ser descriminalizado, a fim de que possa ser regulamentado e canalizados os seus benefícios para obras de interesse social, a exemplo dos demais jogos de azar existentes e tutelados pelo Estado, passando esta modalidade de jogo a ser tributada, inclusive pela Previdência Social”. A simples continuidade da prática ilícita não é motivo para legalizá-la. Seria como se, por absurdo, o aumento da frequência de homicídios justificasse a retirada de sua tipificação do Código Penal. Consciente da fragilidade de tal argumento, a proposta de liberação tenta seduzir os parlamentares com a promessa de arrecadação para fins sociais, como se a vantagem fiscal fosse capaz de tornar mais palatável a indecente proposta. A justificativa do PL 442/91 prosseguia: “Os males criminógenos decorrentes do jogo proibido estão diretamente relacionados com a própria ilegalidade de sua prática. (...) A prática do jogo, por si, não ofende, não expõe a perigo de lesão ou lesa bens jurídicos fundamentais da sociedade ou do Estado, não sendo relevante, na atualidade, que se o mantenha, demagogicamente, na clandestinidade”. É esse o argumento de fundo dos defensores da jogatina, como se tudo não passasse de uma grande confusão, com a lei proibindo atividades por simples questões morais. Ora, é bom que os jogos de azar sejam proibidos não apenas por questões morais, mas também por questões de justiça e de prudência política. Tais atividades não geram riqueza para a sociedade nem produzem bem-estar para as famílias. Geram, isso sim, perversos efeitos sociais. Seus empregos eliminam outras vagas de trabalho. A abertura de cassinos vem, bem se sabe, acompanhada de aumento da criminalidade. A razão para manter a proibição é simples - liberar é incentivar e não cabe ao Estado incentivar atividades com esse naipe de danos.