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Copa do Mundo e suas armadilhas

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Por Fernando Gabeira
4 min de leitura

Os países que disputam a primazia de realizar uma Copa do Mundo o fazem na esperança de projetar uma boa imagem. A escolha do Brasil para sediar o evento significa uma grande oportunidade. É como se fosse um pênalti, representa uma grande chance de marcar o gol. Às vezes, entretanto, perde-se um pênalti.O britânico Simon Anholt, criador da ideia de marca de países, algo que ele mesmo considera sujeito a todo tipo de picaretagem, advertiu, em entrevista à BBC, que o Brasil pode prometer, e muito, e por causa disso decepcionar na Copa.A festa do sorteio das chaves foi uma bola fora. Estive no Largo do Machado, onde se concentraram os manifestantes que pedem transparência na Copa. Impossível não reconhecer a justeza do pedido. A festa foi um modelo de opacidade autoritária. Ninguém foi consultado sobre o investimento de R$ 30 milhões pagos por cariocas e fluminenses, uma vez que o Estado e cidade do Rio dividiram os custos. A avaliação do prefeito Eduardo Paes é de que os gastos compensam por divulgarem a imagem do Rio em todo o planeta. Como explicar que a iniciativa privada não se tenha interessado por ela, se tinha tão grande poder de divulgação? Por que Panasonic, Nike, Coca-Cola não se apresentaram para dividir custos?A ideia de que o mundo estaria de olho no Rio é falsa. O mundo interessa-se é pelo sorteio das chaves. Mas, como na loteria, o que importa é o resultado, não o ato de sortear. Há inúmeras possibilidades de recuperar a informação ao longo do dia. Hoje muita gente no planeta sabe que França e Espanha estão na mesma chave e desconhece, por exemplo, que Ivete Sangalo mora num país tropical, abençoado por Deus, etc.O fechamento do Aeroporto Santos Dumont por quatro horas também não resultou de nenhuma consulta. Reconheço que as autoridades acham que isso é para o nosso bem. Acreditam que a Copa trará melhorias para todos, logo, todos podem sacrificar-se um pouco por ela. O problema da visão autoritária é este: ela decide por nós. Milhões são destinados ao Maracanã, às construção do Itaquera, à festa do sorteio. O que fazer com a parte considerável da população que gostaria de ver o dinheiro empregado na solução de problemas reais?A maneira como o prefeito Eduardo Paes justificou a festa na Marina da Glória, área que está em poder do bilionário Eike Batista, também não reflete a opinião de todos. Ele quer que o Rio seja a cidade da Copa. Acontece que a ideia geral é que o Brasil será o país da Copa, utilizando várias cidades para hospedá-la. Por que gastar dinheiro para substituir o País e ofuscar as outras?Os milhões foram gastos numa festa que dava exclusividade à TV Globo, tanto que outras emissoras tiveram a credencial negada. Se os contribuintes fossem ouvidos, certamente condenariam essa cláusula do contrato. Num evento pago pela iniciativa privada, ninguém questionaria a exclusividade. Mas os patrocinadores eram públicos e deveriam tratar os meios de comunicação em pé de igualdade.Dizem que a presidente Dilma ficou irritada com isso. O que significa, no jargão jornalístico, que ela quer distanciar-se da decisão. Toda vez que o governo faz algo errado e é preciso salvar a reputação do presidente, alguém divulga que ficou muito irritado.Os patrocinadores, apesar de não nos terem consultado, foram Sérgio Cabral e Eduardo Paes, ambos aliados de Dilma. Por que não chamá-los a um canto e perguntar: que história é essa? Na Copa, a presidente não é apenas uma convidada. É a anfitriã.Os manifestantes na rua pediam a queda de Ricardo Teixeira, presidente da CBF. Dilma procurou distanciar-se dele, convidando Pelé e se apoiando nele, para evitar incômodas associações.Eis outra armadilha da Copa. O futebol, com sua magia, tende a atenuar as mágoas provocadas pela corrupção. Mas pode também agravá-las, tanto no caso da Fifa como no do governo.Pelo menos cinco dos Ministérios de Dilma estão sob suspeita de corrupção. Aparecem denúncias quase todos os dias e no fim de semana ficam mais robustas, nas revistas e edições dominicais.Por seu turno, os aliados Sérgio Cabral e Eduardo Paes acham que a amizade com a Globo os autoriza a tomar decisões sem consulta ou mesmo a desprezar outros meios de comunicação. Não compreendem que a Globo é uma instituição. Se a opinião pública condenar os erros de condução na Copa, a própria emissora vai lançá-los ao mar. E não serão os primeiros que ela lança ao mar, na História recente do Brasil.O próprio inventor da marca de um país e do ranking das marcas, Simon Anholt, na entrevista à BBC, revela que esteve no México prestando assessoria ao governo e que a imagem do país não foi tratada de forma superficial, mas dentro de uma perspectiva de solução de problemas reais e crescimento do turismo. A ideia subjacente é a de tirar proveito da marca, e não ser enganado por quimeras provincianas.Dilma-Cabral-Paes são experientes o bastante para saber que os jornalistas estrangeiros não se contentam com as notícias oficiais nem com a representação estética da Globo. Eles vão examinar aeroportos, viajar pelas estradas, conversar com o ministro do Turismo. Esse, então, será um momento sublime.Depois do encontro com o ministro Pedro Novais, vão se interrogar se o Brasil está gastando dinheiro só pelo amor ao futebol ou tem algum plano sério de recuperá-lo na frente. Vão acabar no Maranhão, também abençoado por Deus, bonito por natureza e governado pela família Sarney. Essa previsão é uma decorrência natural de quem acompanha o trabalho da imprensa. Foi assim na África do Sul e será assim em todos os países que sediarem a Copa.Com esse mergulho no Brasil real, os jornalistas talvez não tenham o bom humor do prefeito do Rio, que, ao receber uma medalha da Fifa, olhou para ela e disse a Joseph Blatter: você sabe que vou derretê-la, não? Blatter ganhou uma chave do Rio. Foi mais discreto. Disse que ia mantê-la, embora não seja estranha à Fifa a arte de derreter.JORNALISTA