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Corrigindo uma distorção

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Por Redação
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Ainda que provisória – porque liminar –, é da maior importância a decisão do juiz Luís Felipe Ferrari Bedendi, da 5.ª Vara da Fazenda Pública da capital, que proibiu a Prefeitura de usar recursos provenientes de multas de trânsito para custeio de pessoal e encargos da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). No mínimo, ela reacende e enriquece o debate sobre o uso correto desses recursos, de acordo com o que determina o Código de Trânsito Brasileiro, que infelizmente não tem sido obedecido pelos prefeitos paulistanos.

A liminar foi concedida em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual (MPE), na qual ele pedia também a proibição de utilizar os mesmos recursos em ciclovias e na construção de terminais de ônibus, além da indisponibilidade de bens do prefeito Fernando Haddad; do secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto; do secretário municipal de Finanças, Rogério Ceron de Oliveira; e de seu antecessor, Marcos de Barros Cruz. Esses pedidos não foram atendidos, o último por não haver indícios, segundo o magistrado, de que os agentes públicos tenham “agido dolosa ou culposamente”.

Tanto bastou para que em nota oficial o governo municipal considerasse “salutar” a decisão do juiz Ferrari Bedendi, tentando desviar assim a atenção da sua importante derrota no caso da CET. E com relação a esse se apressou a anunciar que vai recorrer por entender, da mesma forma que todos os governos anteriores, que as atividades da CET se enquadram, sim, no que determina o Código de Trânsito. Esquece-se Haddad de que o fato de ter cometido o mesmo erro de seus antecessores não torna este um acerto.

O artigo 320 do Código é claro: “A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”. Repassar essa receita para a CET, como vinha sendo feito, é uma tentativa de torcer o que estabeleceu o legislador.

O juiz Ferrari Bedendi coloca as coisas em seus devidos termos, com toda propriedade, quando afirma que “a Municipalidade destina o dinheiro das multas para o custeio da estrutura administrativa da CET, e não apenas de sua atividade-fim. Uma coisa é financiar os projetos de engenharia de tráfego e sua execução e outra é custear os servidores vinculados à sociedade de economia mista e os tributos decorrentes da atividade”. Daí sua decisão de proibir que isso seja feito com dinheiro das multas: “Essas despesas devem ser pagas pelas receitas correntes”.

Esse problema surgiu quando o dinheiro proveniente das multas de trânsito começou a crescer muito e os administradores públicos viram nisso, espertamente, uma verdadeira mina de ouro, tratando esses recursos como receitas correntes, o que não tem cabimento. Como a manobra deu certo, resolveram investir pesadamente – e disso São Paulo é um bom exemplo – no que logo recebeu o nome de “indústria” da multa: agentes que pensam mais em multar do que em sua função primordial de organizar o trânsito e, com o mesmo objetivo, a montagem de um impressionante aparato de radares fixos e móveis e lombadas eletrônicas.

Os recursos das multas crescem continuamente. Em 2014, eles atingiram R$ 852 milhões e a previsão para o ano passado era de R$ 1,19 bilhão. O que está errado com essa montanha de dinheiro não é apenas o seu crescimento anormal, estimulado justamente para que fosse jogado em grande parte onde não podia, como acaba de reconhecer o juiz Ferrari Bedendi, para assim aliviar artificialmente outros setores da administração.

É também porque, dessa maneira, a prioridade deixa de ser a educação do motorista – para a qual vai pouco dinheiro, ao contrário do que determina o Código –, um item essencial para melhorar a segurança do trânsito. O aumento das multas é uma prova de que a educação e a segurança continuam ruins. Esse é o momento de retomar o debate sobre como virar esse jogo.