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CPI desperdiçada

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Por Redação
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A CPI dos Grampos poderá votar hoje o parecer do relator Nelson Pelegrino (PT-BA). Ele poupou os protagonistas centrais do escândalo que acabou se transformando na razão de ser da investigação aberta há 16 meses na Câmara dos Deputados - os desmandos cometidos no curso da Operação Satiagraha, comandada pelo delegado Protógenes Queiroz. Afastado de suas funções e respondendo a dois processos disciplinares na Polícia Federal (PF), ele compartilha a benevolência de Pelegrino com o seu mentor Paulo Lacerda, o ex-diretor-geral da Abin, "premiado" com o posto de adido policial em Lisboa, e com o seu arqui-inimigo, o banqueiro Daniel Dantas. Dando razão aos prognósticos de que a CPI só alcançaria peixes pequenos, o relator limitou-se a pedir o indiciamento de um sargento da Aeronáutica acusado de trabalhar para Protógenes, pela posse de material sigiloso, e de dois policiais civis, por suspeita de interceptação ilegal em situações não relacionadas com a momentosa operação da PF. Para justificar a sua leniência, Pelegrino invocou o esfarrapado argumento de que não teria sentido denunciar Protógenes e Dantas porque ambos já tinham sido indiciados, um pela Polícia Federal, o outro pela Justiça. No caso de Lacerda, o pretexto é ainda mais aguado - tendo ele corrigido por escrito o seu único depoimento à CPI, no ano passado, não teria cometido "falso testemunho". O problema, naturalmente, é outro - e muito mais sério. Segundo o presidente da comissão, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), que comunicou que em relatório em separado proporá ao Ministério Público o indiciamento da trinca, "o governo atuou pesado na CPI para proteger Lacerda". O deputado sustenta que Lacerda foi o "mandante" das irregularidades praticadas no curso da investigação contra Daniel Dantas (já condenado a 10 anos de prisão por corrupção). "Protógenes não agiu sozinho nem por conta própria", acusa. Quando Lacerda dirigia a PF, ele teria recebido carta branca para conduzir a operação. Depois que o padrinho foi para a Abin, Protógenes continuou a se reportar a ele. Na sua sindicância sobre o comportamento de Protógenes, a Polícia Federal concluiu que Lacerda o autorizou a recrutar agentes da Abin na sua cruzada contra Dantas. Foram nada menos de 84 - e eles tiveram amplo acesso não apenas a dados confidenciais da Satiagraha, mas ao Sistema Guardião, o equipamento de escutas da PF. Meses atrás, no seu depoimento aos federais, Lacerda admitiu ter recebido documentos da operação de um funcionário da agência. Outros integrantes da CPI também se dizem convencidos de que o relator acobertou Lacerda. O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) fala em "omissão" de Pelegrino sobre "pessoas do governo": além do ex-diretor da Abin, o general Jorge Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, a quem a Abin responde. "Uma auditoria do Exército certificou a existência, na Abin, de material para escutas" (sem autorização judicial), observa Fruet. "Não há menção a isso no relatório." De todo modo, a aparente intenção do relator petista de blindar o Palácio do Planalto - cujas atitudes em relação a Dantas configuram uma outra zona de sombra na enovelada história das relações do controlador do Opportunity com a elite do poder - soma-se ao fracasso geral da CPI em fazer a anatomia da grampolândia nacional. Ficou faltando o exaustivo diagnóstico prometido quando da instalação da CPI sobre as engrenagens do sistema de interceptação ilegal das comunicações, em que arapongas aposentados, detetives particulares, funcionários de teles, escroques, policiais e políticos fazem os seus sórdidos negócios. A privacidade dos brasileiros continua tão vulnerável como sempre esteve - ou melhor, ficou ainda mais fácil de devassar com os equipamentos de última geração de que se vale a bem-sucedida, até porque impune, indústria da interceptação. É flagrante a desproporção entre a amplitude da bisbilhotagem e o empenho das autoridades em salvaguardar um dos direitos básicos do cidadão. Nesse sentido, a CPI foi outra oportunidade perdida.