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Opinião|Crime de responsabilidade e impeachment III

Atualização:

Os crimes de responsabilidade praticados pelo presidente da República são atos que atentam contra a Constituição, previstos no respectivo artigo 85, incisos I a VII, e tipificados em lei especial, conforme estabelece o parágrafo único da citada norma constitucional. Entre eles estão os atos do presidente que contrariam a “lei orçamentária” e “a probidade na administração” (CF, art. 85, V e VI).

Na hipótese de cometimento de tais crimes de responsabilidade pelo presidente da República, a Câmara dos Deputados, pelo voto de dois terços de seus membros, deverá autorizar a instauração de impeachment do presidente, que será julgado e processado pelo Senado Federal. Se condenado, perderá o cargo, ficando inabilitado para o exercício de função pública por oito anos (CF, arts. 51, I, e 52, I, e § único).

O julgamento, evidentemente, não pode ser fundado em meras considerações de conveniência político-partidária ou moção de desconfiança do Parlamento, como no regime parlamentarista, pois no regime presidencialista o presidente não pode ser afastado do cargo antes do término do mandato a não ser por impeachment.

Pela mesma razão, contudo, é que – por mera conveniência político-partidária – não se deve evitar o processo de impeachment se comprovado o cometimento de crime de responsabilidade pelo presidente da República. Neste caso, é dever constitucional a instauração do processo de impeachment, e não opção político-partidária, que na hipótese de omissão poderá trazer males ainda maiores para as instituições democráticas e para o País.

Em artigos anteriores publicados neste prestigioso jornal com o mesmo título (I e II, Espaço Aberto em 30/5 e 22/6, no site eletrônico Opinião) – cuja leitura para melhor compreensão do presente artigo sugiro aos caríssimos leitores – observei que, como no constitucionalismo norte-americano (“high crimes and misdemeanors”), no Brasil também somente infrações graves, penais ou político-administrativas, podem constituir fundamento constitucional para o impeachment do presidente da República.

A lei especial – Lei Federal n.º 1.079/50 (com a redação conferida pela Lei Federal n.º 10.028/2000) – tipifica 12 hipóteses de crimes de responsabilidade praticados pelo presidente da República por contrariedade à Constituição e à lei orçamentária, dentre elas: autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer ente da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta (art. 10, inciso 9). A mesma lei ainda define como crime de responsabilidade – mais uma vez –, desta feita contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos: contrair empréstimo (...) ou efetuar operação de crédito sem autorização legal (art.11, inciso 3). 

Por outro lado, a própria Constituição veda expressamente “a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais” (CF, art. 167, II).

Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que “todas as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual, e as receitas que as atenderão, constarão da lei orçamentária anual” (Lei Complementar n.º 101/2000, art. 5.º, § 1.º).

E a mesma lei proíbe expressamente “a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”, estabelecendo ainda, no seu art. 73, que as infrações às suas normas serão punidas, conforme o caso, como crimes comuns, crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa.

O presidente da República, pois, verbi gratia, não poderia autorizar o governo federal a realizar operações financeiras beneficiando-se de créditos oriundos da Caixa Econômica Federal, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), onerando o Tesouro Nacional em bilhões de reais, a pretexto de realizar despesas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais, sob pena de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal e do cometimento de crime de responsabilidade.

Observe-se ainda que a Lei de Responsabilidade Fiscal determina a publicação, a cada bimestre, de justificativas sobre a eventual limitação de empenho em casos de risco de descumprimento das metas fiscais, estabelecidas no início do exercício financeiro (art. 53, § 2.º). E exige a imediata adoção de medidas corretivas em conformidade com parâmetros previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Nesse sentido, portanto, a deliberada alteração das metas fiscais no final do exercício financeiro constitui fraude à lei, configurando também crime de responsabilidade.

Conforme a Constituição, o Tribunal de Contas da União deve emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo presidente da República ao Congresso Nacional (CF, arts. 84, XXIV, e 71, I). O parecer prévio deve ser conclusivo quanto à aprovação ou rejeição das contas, observando-se os princípios constitucionais da administração pública, sobretudo o princípio da legalidade, a verificação do cumprimento ou não das normas da Lei de Responsabilidade Fiscal e das demais normas constitucionais sobre a lei orçamentária.

Finalmente, é da competência exclusiva do Congresso Nacional apreciar e julgar anualmente as contas do presidente da República, valendo-se, como subsídio, do parecer prévio do Tribunal de Contas da União (CF, art. 49, IX). A deliberação do Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, será tomada in casu pela maioria dos votos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, presentes a maioria de seus membros (CF, art. 47). Se as contas forem rejeitadas, haverá configuração de hipótese de impeachment do presidente da República.

*Geraldo Brindeiro doutor em direito por Yale, professor da UNB, foi Procurador-Geral da República (1995-2003) O artigo publicado em 12/8, com este mesmo título, foi a repetição do segundo artigo da série ‘Impeachment e crime de responsabilidade’, publicado em 22/6. O texto correto é este.

Opinião por Geraldo Brindeiro