02 de agosto de 2014 | 02h04
Reunidos em Bali em dezembro, ministros de todo o mundo concordaram em dar um primeiro passo, modesto e aparentemente seguro, para retomar com segurança a Rodada Doha. As últimas tentativas de reativação haviam sido abandonadas em 2009. O passo inicial seria um acordo de facilitação de comércio. Todos se esforçariam para eliminar entraves burocráticos, harmonizar procedimentos e simplificar as condições de movimentação internacional de mercadorias.
Mesmo com a permanência de outras barreiras, sujeitas a negociações mais complexas, a facilitação de comércio poderia produzir benefícios consideráveis. As mudanças poderiam proporcionar, segundo se estimou, acréscimo de até US$ 1 trilhão aos fluxos comerciais. Países menos desenvolvidos poderiam receber ajuda técnica para implementá-las.
O otimismo durou alguns meses. A simplificação pode abater custos importantes e beneficiar todos os países. Esta é uma avaliação bastante objetiva. Mas o governo indiano decidiu impor condições especiais para a aprovação final do acordo, necessária à sua implementação. O prazo terminou no fim de julho. No dia 31 o diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, anunciou o fracasso da tentativa e alertou os 160 membros da organização para algumas das consequências mais perigosas.
O risco mais preocupante é o enfraquecimento da OMC como centro ordenador do mercado internacional. Criado em 1948, quando se estabeleceu o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), o sistema facilitou a ordenação progressiva e a liberalização crescente do comércio. A regulação foi completada com um mecanismo de solução de controvérsias, uma das mais importantes e promissoras inovações da ordem internacional, apesar de imperfeições ainda presentes.
A eficácia poderia ser maior, mas mesmo as economias mais poderosas têm acatado as decisões ou assumido o risco de uma retaliação autorizada. É preciso aperfeiçoar o sistema e elevar a eficácia das decisões, mas esse e outros objetivos serão postos de lado se a OMC perder prestígio e se enfraquecer.
Mesmo se preservado o regime de solução de controvérsias, a OMC perderá importância como foro regulador, se a negociação multilateral ficar interrompida e os acordos bilaterais e inter-regionais continuarem proliferando. O governo americano já indicou a disposição de se voltar prioritariamente para esses acordos. Um de seus objetivos principais será concluir com a União Europeia a formação do mais ambicioso de todos os pactos de integração. Se isso se confirmar, pior para o Brasil. Pior para o Brasil, também, se outras negociações bilaterais, regionais e inter-regionais continuarem prosperando e multiplicando-se rapidamente.
Uma alternativa já comentada será o desenvolvimento, no âmbito da OMC, das chamadas negociações plurilaterais, sem participação necessária dos 160 membros do sistema. Poderá ser uma forma eficiente de avançar em entendimentos mais amplos de liberalização comercial. Se nem todos os parceiros estratégicos escolhidos pelo Itamaraty - como Índia, Cuba e Venezuela - quiserem participar, o governo brasileiro, se ainda tiver algum bom senso, poderá aproveitar as oportunidades. Se for capaz de agir sem as amarras do Mercosul, tanto melhor.
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