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Crise portuguesa, crise europeia

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Por Redação
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A crise financeira continua fazendo estragos na União Europeia e especialmente na zona do euro. Mais um país - Portugal - será forçado a pedir ajuda externa para sair do buraco fiscal, arrumar suas contas e se enquadrar nos padrões da união monetária. Será necessário um pacote de uns 70 bilhões, segundo as estimativas mais otimistas. Mas há no mercado financeiro quem aponte uma necessidade de até 100 bilhões. O dinheiro poderá ser fornecido pela União Europeia, provavelmente com ajuda do FMI. O governo socialista do primeiro-ministro José Sócrates ainda tentou evitar esse tipo de solução, propondo ao Parlamento um novo programa de austeridade. Foi um esforço para desviar o país do caminho seguido pela Grécia e pela Irlanda. Mas o plano foi rejeitado e o chefe de governo pediu demissão. Havia prometido fazê-lo se a proposta fosse rejeitada. A oposição venceu, mas não tem motivos para comemoração. Nenhum socorro externo será fornecido sem a contrapartida de um rigoroso compromisso de ajuste, como já ocorreu nas negociações com as autoridades gregas e irlandesas. O presidente Cavaco Silva terá de cuidar com urgência da formação de um novo governo. O primeiro-ministro José Sócrates deverá permanecer no posto até a composição do novo gabinete, mas com poderes limitados. Há dúvidas sobre a capacidade legal do governo português de negociar a ajuda externa nessa fase de transição. Segundo alguns analistas, o governo interino poderia cuidar do assunto e até o presidente seria qualificado para a tarefa, se tivesse apoio político para isso. Mas há opiniões diferentes. Caracterizada a crise política, mais uma agência de classificação de risco, a Fitch, anunciou o rebaixamento da dívida portuguesa. A rejeição do plano de austeridade foi mencionada pelo diretor da divisão de risco soberano, Douglas Renwick, para explicar a decisão da agência. A derrota do governo tornou mais incerta a implementação de políticas necessárias ao financiamento do setor público, segundo ele. Outra agência, a Moody"s, havia rebaixado a dívida pública de Portugal na semana anterior. O líder da oposição portuguesa, Pedro Passos Coelho, do Partido Social Democrata (PSD), tentou acalmar os mercados. Segundo ele, os oposicionistas continuarão apoiando o ajuste orçamentário. Mas só aceitariam o corte de gastos e rejeitariam novos aumentos de impostos. A declaração foi insuficiente para impedir tanto a decisão da Fitch quanto a elevação dos juros da dívida portuguesa. Além do mais, falta saber se as medidas consideradas aceitáveis pelos oposicionistas serão suficientes para a arrumação das contas públicas portuguesas. Essa não era, obviamente, a opinião do governo socialista. Seu objetivo imediato, com o novo plano, era garantir a redução do déficit público para 4,6% do PIB neste ano.Em 2010, o déficit ficou em torno de 7%. O ajuste permitiria, segundo a avaliação oficial, a redução do buraco para 3% do PIB em 2012, 2% em 2013 e 1% em 2014. O limite fixado pelos padrões oficiais da União Europeia é 3% e vários países da área ultrapassaram esse teto nos últimos anos. Mesmo com o aperto orçamentário, a redução proporcional da dívida pública seria lenta. Segundo recentes projeções do governo, a dívida total deverá subir de 82,4% do PIB no ano passado para 87,9% neste ano e 88,1% em 2012. Só então começaria a cair e poderia chegar a 85,3% em 2014. O mesmo conjunto de projeções indicou uma redução de 0,9% do PIB em 2011, depois de um aumento de 1,4% no ano passado. A contração seria uma consequência do aperto fiscal.Não parece haver dúvida quanto à disposição dos demais governos da zona do euro: ajudarão Portugal, como ajudaram a Grécia e a Irlanda, para preservar a união monetária. O FMI deverá estar pronto para atuar no resgate. Mas o ajuste europeu ainda consumirá muito esforço, porque também os países mais ricos estão em má situação financeira. A Alemanha é exceção. A conta dos excessos dos últimos anos ainda é alta.