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Crise venezuelana se agrava

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Por Redação
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Hugo Chávez nunca disse que as consequências da crise global na Venezuela se limitariam a uma "marolinha" - nem mesmo ele poderia dizer algo do gênero, dada a absoluta dependência da economia nacional das cotações mundiais do petróleo, a única riqueza real do país. Mas, para tranquilizar a população, ele e seus ministros não se cansaram de repetir que a revolução bolivariana tinha blindado a economia venezuelana e garantia as condições de vida do povo. Se alguém tivesse de pagar a conta da recessão global seria a "oligarquia" - merecidamente, é claro. De fato, quando o governo ficou sem recursos para continuar tocando as obras de uma linha de metrô em Caracas, a solução anunciada foi eliminar do projeto duas estações em bairros de classe média, ou, no jargão chavista, redutos da oligarquia. Mas não se pode tapar o sol com peneira o tempo todo perante todos. Embora a retórica de Chávez permaneça a mesma e as autoridades não hesitem em maquiar os indicadores econômicos mais significativos do ponto de vista social - as taxas de inflação, desemprego e desempenho da indústria da construção civil, por exemplo -, isso não abranda a sombria realidade venezuelana nem diminui as dificuldades no manejo das contas públicas, depois da embriaguez da gastança. Tanto assim que, à falta de alternativas, o governo anunciou na quarta-feira fortes aumentos nos preços dos produtos tabelados, vendidos na rede estatal de mercados subsidiados, as Bodegas Mercal. O leite subiu 33%; a sardinha - produto amplamente consumido no país -, 147%. O açúcar ficará 47% mais caro a partir de outubro. O único item a baixar de preço foi o óleo de cozinha (15%), mas por causa da safra. As vendas já vinham caindo nos Mercais (pelo menos 11% até maio) por uma perversa combinação de retração da oferta - escassez e má distribuição de gêneros - e da demanda - perda de capacidade aquisitiva causada pela inflação e pelo desemprego. Segundo os números oficiais, o desemprego se mantém estável na casa de 7%. Não é de crer. Desde que a queda das cotações do petróleo pôs fim aos anos dourados na Venezuela - de 2003 ao primeiro semestre de 2008, o PIB aumentou em média mais de 10% ao ano -, 112 mil pessoas perderam o emprego, elevando o total a cerca de 1 milhão, e 226 mil trabalhadores migraram para o mercado informal. "A queda da renda do petróleo já começou a ter um impacto grande no dia a dia dos venezuelanos", constata o consultor Maxim Ross. "E, se antes disso a economia do país já estava complicada, agora temos o caos." Não parece haver muitas dúvidas sobre os efeitos políticos desse quadro. No plano externo, será um tanto de distensão com os Estados Unidos, no contexto da nova diplomacia americana para a região. Em em breve, voltará a Caracas o embaixador Patrick Duddy, expulso em setembro do ano passado. Com isso, reassumirá o seu posto em Washington o diplomata venezuelano Bernardo Álvarez, expulso em represália. Para Chávez, não só ficou mais difícil hostilizar a Casa Branca sob o presidente Barack Obama - popular também na América Latina -, como seria um despropósito, em meio à crise, provocar o governo do principal parceiro econômico da Venezuela. Já no plano interno, a tendência é de mais endurecimento. É o recurso natural dos governantes autoritários quando a economia vai mal e o povo, pior. Não podendo invocar o "inimigo externo" de praxe, Chávez terá de intensificar a repressão aos de casa. O que resta de imprensa independente no país continuará a ser o seu alvo prioritário. Mas, além de investir contra o setor que denuncia como a expressão por excelência da oligarquia, não se espera que atenue o aperto em curso também sobre o sindicalismo autônomo. Ultimamente ele tem antagonizado o próprio Exército. No mês passado, mandou prender, sob acusações de corrupção, o general Raúl Baduel (a quem deve a volta ao poder, menos de 72 horas depois do malogrado golpe de abril de 2002). Cada vez mais Chávez conta com a lealdade da organização paramilitar recrutada entre os venezuelanos mais pobres, para os quais mesmo um magro soldo faz diferença. Com 400 mil membros e a previsão de chegar a 1 milhão, a milícia chavista já é maior que o Exército.