
09 de setembro de 2014 | 02h05
Entre 30 e 40 crianças passam dias trancadas nos quartos, por não terem quem cuide delas. As condições de higiene nesses locais - onde convivem com sujeira, ratos e insetos - são as piores possíveis. Sem falar nos corredores escuros dos hotéis, onde também se acumula lixo. Como há vagas em creches e escolas para todas as crianças, segundo moradores dos hotéis, se elas não são utilizadas, só pode ser por incapacidade de pais e responsáveis de fazer com que usufruam desse benefício, ao qual - diga-se de passagem - dezenas de milhares de outras crianças paulistanas não têm acesso.
A explicação da Prefeitura não convence. Segundo ela, há dificuldades decorrentes de uma fase de "transição" - do fim do contrato emergencial firmado com a ONG Brasil Gigante para administrar o programa e da espera da assinatura do próximo contrato com outra selecionada por meio de licitação. A seguir esse raciocínio, é inevitável que em fases de transição, tão frequentes na administração pública, surjam problemas assim. Salta aos olhos que isso não é verdade. A única explicação para o que está acontecendo é que, na pressa e na improvisação que são a marca dessa administração, não foram tomados os cuidados habituais para evitar esses "problemas de transição".
Tão logo o caso veio à tona, Haddad anunciou que as crianças serão transferidas para outros locais, onde ficarão livres dos problemas a que hoje estão expostas. Por que só agora? Não houve um mínimo de fiscalização, capaz de detectar problemas graves como esse, como fez a reportagem, muito menos aparelhada para isso do que o serviço especializado da Prefeitura? Pelo visto, não.
A situação é mais grave do que supõe Haddad, que pensa pôr um ponto final no caso com a simples transferência das crianças. O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Condepe), lembra com razão que a manutenção de crianças naquelas condições viola o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), porque elas ficam expostas a riscos. "É estarrecedor que isso ocorra, ainda mais em um ambiente mantido pela Prefeitura", afirma ele. E adverte: "Pais e Prefeitura, por meio dos responsáveis pelo programa, podem responder por crime de maus-tratos".
Haddad pode se iludir - ou tapar o sol com peneira -, como ao afirmar, a propósito desse episódio lamentável: "Se nós compararmos o que está sendo feito neste ano com o que foi feito nos anos anteriores, a mudança é da água para o vinho". A verdade, quando se considera com isenção o programa Braços Abertos, é que a situação mudou, mas para pior - da água para o vinagre.
O das crianças "sitiadas" em locais infectos é só um dos problemas desse programa. Segundo o Conselho Comunitário de Segurança de Santa Cecília, os hotéis onde estão alojados os viciados não têm documentos básicos de segurança, como o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Ele permitiria interditar esses imóveis, medida que pode se tornar inevitável, porque, como a própria Prefeitura reconhece, parte dos beneficiados pelo programa está arrancando até chuveiros dos hotéis para vender e comprar drogas.
O malogro do programa pode ser resumido em poucas palavras: como seus beneficiários têm acomodação de graça, salário de R$ 15 por dia, assistência médica e refeições, mas não são obrigados a se tratar, têm mais dinheiro do que antes para gastar com drogas, não cuidam dos filhos e ainda depenam os hotéis.
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