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Da Argentina aceita-se tudo

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Por Redação
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou mais uma vez a disposição de aceitar toda imposição comercial do governo argentino, de aplaudir a política da Casa Rosada e até de pagar por seus erros econômicos. Na semana passada ele voltou a confundir cooperação e solidariedade com a negação dos interesses comerciais do Brasil. A decisão de elevar de US$ 120 milhões para US$ 1,5 bilhão o limite de operações cobertas pelo Convênio de Crédito Recíproco (CCR) pode até se enquadrar na rubrica da cooperação. Com muito exagero, pode ser defendida como parte de uma política pragmática de longo prazo - muito exagero, porque a cada dia o Mercosul se afasta mais dos objetivos da integração regional. Mas nenhum esforço de imaginação pode justificar a tolerância do presidente brasileiro ao crescente protecionismo do maior sócio do País no bloco regional. Mais do que tolerante, ele se mostrou quase disposto a aplaudir a multiplicação de barreiras contra produtos brasileiros, só temperando seu aparente entusiasmo com alguns frouxos comentários sobre a inconveniência do protecionismo em geral. "Essas medidas não me preocupam", disse o presidente Lula, pondo na mesma categoria as barreiras argentinas e aquelas adotadas por outros países. Essas medidas, segundo ele, são entendidas "com certa normalidade por conta da crise". Há dois erros muito graves nesses comentários. Em primeiro lugar, qualquer governante com alguma percepção dos fatos internacionais e dos interesses de seu país tem de se preocupar, e de fato se preocupa, ao notar a expansão de barreiras prejudiciais ao sistema produtivo e, portanto, ao emprego dos trabalhadores de seu país. Em segundo lugar, não tem sentido a comparação entre a Argentina e outros parceiros do comércio internacional. A Argentina tem mais que um acordo de livre comércio com o Brasil. Tem todos os compromissos inerentes à participação em uma união aduaneira. Tem, portanto, obrigações bem definidas. Algumas dessas obrigações têm sido relevadas por meio de entendimentos oficiais entre os governos da região, mas há um abismo entre entendimentos e imposições unilaterais. O governo brasileiro criticou o norte-americano por aceitar a imposição, pelo Congresso, de regras discriminatórias em financiamentos bancados com recursos de um pacote fiscal. Mas a discriminação a favor de produtos americanos ("buy american") não valerá para os signatários de acordos de compras governamentais. O Brasil não é um dos signatários. Também não tem um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. O presidente Lula vangloriou-se, há alguns anos, de haver tirado da pauta a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Pode vangloriar-se, mas não pode protestar contra o descumprimento de compromissos que não foram assumidos. Os Estados Unidos têm com o Brasil as obrigações definidas nos acordos multilaterais, no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Contra o descumprimento desses acordos o Brasil pode agir - e tem agido. O governo argentino tem violado, no comércio com o Brasil, não só as obrigações multilaterais, mas também aquelas típicas de uma zona de livre comércio. Na prática, o Mercosul tem sido um entrave à liberdade de negociação de seus membros. Mas o governo brasileiro, ao contrário do uruguaio, não parece importar-se com isso, como também não se importa com o protecionismo argentino. Age como se apenas o Brasil tivesse obrigações. Tudo aceita sem reagir, até acusações absurdas. Durante a visita do presidente Lula a Buenos Aires, na semana passada, a presidente Cristina Kirchner voltou a acusar o Brasil de protecionismo por meio da depreciação cambial e do estímulo à indústria. O presidente Lula já ouviu isso duas vezes e nunca reagiu, propiciando a interpretação do silêncio como admissão de culpa.Tampouco reage quando o financiamento do BNDES é equiparado às barreiras ostensivamente ilegais impostas pelo governo argentino. Além de se calar nessas ocasiões, dá um estranho apoio ao governo argentino em seus atritos com o Fundo Monetário Internacional e com a comunidade financeira. Buenos Aires escolheu sua política, tratou o mundo com arrogância ao dar o calote e pagou por isso. Por que o governo brasileiro tem de se envolver nessas questões?