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Da tolerância ao arrocho

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Por Redação
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Protestos e críticas eram tão previsíveis quanto o novo aumento de juros, mas é ilusão pensar em retorno ao crescimento enquanto a inflação permanecer muito alta e as contas do governo continuarem esburacadas - muito mais que as de países mais afetados pela crise internacional. Ao elevar para 13,75% a taxa básica, a Selic, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) simplesmente cumpriu sua missão mais importante - proteger o poder de compra da moeda. Mercado e governo estimam para este ano uma inflação superior a 8%, bem longe do limite de tolerância (6,5%) e muito acima dos níveis observados tanto em países desenvolvidos como em emergentes. Se a alta de preços for conduzida à meta oficial de 4,5% até o fim do próximo ano, como prometem os dirigentes do BC, o Brasil ainda estará fora dos padrões internacionais.

Critica-se a autoridade monetária por elevar os juros quando se registra um desemprego de 8%, número apurado para o trimestre fevereiro-abril pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo IBGE. Mas o desemprego, em alta desde o ano passado, resulta de uma estagnação econômica iniciada bem antes do novo arrocho monetário.

A piora do quadro foi mais uma consequência - nada surpreendente - dos muitos erros cometidos no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A tolerância à inflação foi um desses erros. Em agosto de 2011, os dirigentes do BC passaram a agir de acordo com as promessas da presidente Dilma Rousseff e afrouxaram o combate à alta de preços.

O equívoco foi apontado imediatamente por muitos analistas, mas a política permaneceu frouxa até abril de 2013, com a inflação disparada e a reputação da autoridade monetária já gravemente comprometida. A tolerância à alta de preços nunca foi condenada pela maioria dos críticos da alta de juros. Além disso, essa maioria jamais defendeu seriamente uma política fiscal menos irresponsável e uma estratégia industrial mais competente. Era mais fácil desfrutar do protecionismo e de favores tributários e financeiros do que cuidar da produtividade. O baixo investimento empresarial é evidenciado pela retração da indústria de máquinas e equipamentos e da importação de bens de capital. Essa timidez no investimento vem de longe e nunca foi abandonada mesmo em tempos de juros mais baixos e crédito mais fácil.

O arrocho na política de juros é apenas uma consequência de muitos anos de irresponsabilidade e de tolerância à inflação. A meta oficial de 4,5% está em vigor há dez anos, o que denota imenso desleixo na defesa da moeda. Nem essa meta, de fato, foi sempre levada a sério pelas autoridades. Executivo e BC contentaram-se, nesse período, com taxas anuais próximas de 6%. Para alguns críticos, a meta real, jamais confessada, esteve sempre na faixa de 5,5% a 6%, e nem essa foi sempre alcançada.

Juros altos, segundo alguns críticos, dificultam a arrumação das contas oficiais. Derrubando o nível de atividade, reduzem também a arrecadação de tributos. Além disso, encarecem a dívida pública e atrapalham a redução do déficit nominal. Esse déficit - o resultado mais amplo, incluído o pagamento de juros - chegou a 7,47% do PIB nos 12 meses terminados em abril. Isso é mais que o dobro da média estimada para este ano (3,1%) para os 34 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Se fracassar a arrumação das contas públicas, o Brasil poderá perder o grau de investimento na classificação de risco das dívidas soberanas. Em outros países a política de ajuste, nos últimos anos, foi mais fácil, porque a inflação era baixa e foi preciso cuidar só das finanças governamentais. A tarefa das autoridades brasileiras é mais complicada, como consequência da irresponsabilidade tanto na gestão das finanças públicas como no tratamento da inflação. Relaxar uma das políticas para facilitar a outra seria alongar, sem nenhum benefício, uma enorme série de erros. Será duro, mas a reativação virá tanto mais cedo quanto mais se avançar nas duas frentes.