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Dando e recebendo

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Por Redação
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Continuará intensa no último ano do atual mandato da presidente Dilma Rousseff a esdrúxula relação entre o Tesouro e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que, por meio de operações contábeis e financeiras, ajuda o governo a melhorar os resultados fiscais, à custa do crescimento da dívida pública - e das despesas financeiras presentes e futuras. O que o governo dá com uma mão, sem afetar o resultado fiscal, pois o aumento da dívida não é computado como despesa, recebe com a outra, lançando os resultados como receitas, que entram no cálculo do superávit primário.A necessidade de estimular os investimentos é a justificativa do governo para realizar essas operações, mas os dados recentes mostram que, nesse aspecto, elas têm sido pouco eficazes. Sua manutenção e a mobilização de mais e mais recursos públicos para alimentá-las, apesar de seus resultados pífios, indicam que essas operações - legais, destaque-se - foram montadas também, se não exclusivamente, para ajudar o governo a encobrir a piora de suas contas.Com a Medida Provisória (MP) n.º 633, baixada no fim do ano passado, o governo aumentou de R$ 322 bilhões para R$ 372 bilhões o limite de recursos que o Tesouro pode repassar ao BNDES e que permitem à instituição conceder financiamentos subsidiados. Há dias, o Ministério da Fazenda solicitou ao relator da MP na comissão mista do Congresso que a examina, deputado Fernando Francischini (SDD-PR), o acréscimo ao texto original de autorização para mais um aporte de R$ 30 bilhões. Assim, o total autorizado passará para R$ 402 bilhões, ou R$ 80 bilhões a mais do que o teto atual, que foi definido por lei em 2009. O texto, já aprovado pela comissão mista, deve ser votado pelo plenário da Câmara nos próximos dias.Desde o início da crise mundial, o governo vem transferindo anualmente para o BNDES recursos que somam algumas dezenas de bilhões de reais. No fim do ano passado, as transferências já somavam R$ 319 bilhões, muito próximo do teto até então autorizado (somando-se transferências feitas antes do início da crise, os recursos repassados pelo Tesouro ao BNDES alcançavam R$ 398 bilhões no fim do ano passado).Trata-se de uma operação financeiramente desvantajosa para o Tesouro, ou seja, para o País. Para fazer os repasses, o Tesouro precisa captar recursos no mercado, emitindo títulos de dívida, que lhe custam a taxa Selic (atualmente de 11% ao ano). Mas cobra do BNDES o equivalente à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), de 5% ao ano, mais um acréscimo, que em 2013 esteve na média de 0,13% ao ano.Financeiramente, essa diferença entre o que paga e o que recebe impõe perdas elevadas para o Tesouro. No ano passado, a perda foi estimada em R$ 23 bilhões. De outra parte, o BNDES, ao manter os títulos do Tesouro em carteira ainda que temporariamente, ganha com a diferença de taxas. Isso resulta em lucros elevados para a instituição e, consequentemente, o pagamento de dividendos para seu controlador, justamente o Tesouro. E, ao receber os dividendos, o Tesouro os lança como receitas, o que o ajuda a alcançar o superávit.Ávido por recursos que ajudem a melhorar os resultados fiscais - prejudicados pela gastança do governo, mais intensa em ano eleitoral -, o Tesouro vem antecipando o recebimento de dividendos, principalmente do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, além do BNDES.Usa de todas as possibilidades legais para isso. Só no primeiro trimestre deste ano, apropriou-se de R$ 3,898 bilhões do BNDES, que, para isso, teve de reduzir suas reservas estatutárias, que são constituídas para "assegurar a formação de patrimônio líquido compatível com a expectativa de crescimento de ativos" e "garantir margem operacional compatível com o crescimento das operações". Foi dinheiro essencial para o Tesouro apresentar, em março, um superávit primário de R$ 3,17 bilhões. Ou seja, sem o dinheiro do BNDES, o resultado poderia ter sido um déficit primário - o que não deixaria mais nenhuma dúvida sobre a deterioração das finanças do governo.