
08 de março de 2013 | 02h11
Tudo depende dos ângulos pelos quais se queira ver as questões. Também a presidente da República havia dito algumas semanas antes (Folha de S.Paulo, 5/2) que até este mês de março "o governo terá retirado da pobreza extrema todas as pessoas que vivem nessa situação no País e que estejam cadastradas pelo governo". E mais: "Tiramos, entre 2011 e 2012, mais de 19,5 milhões de pessoas da pobreza extrema" - ou seja, famílias com renda per capita mensal de até R$ 70. O Brasil, conforme os dados governamentais, tem 13,5 milhões de famílias que recebem a Bolsa-Família (R$ 70 mensais por pessoa), ou 50 milhões de pessoas que recebem R$ 23,2 bilhões por ano. É muito, embora represente menos de 20% do que o próprio governo paga por ano aos bancos de juros da dívida. E embora R$ 70 mensais por pessoa ainda estejam abaixo da "linha da pobreza" admitida pela Organização das Nações Unidas (ONU), que está em US$ 2 por dia (US$ 60 por mês ou R$ 120 mensais).
De qualquer forma, ainda temos 2,5 milhões de pessoas "fora de programas sociais" e em extrema pobreza (Folha de S.Paulo, 16/2) - o que corresponde a uma vez e meia a população de Montevidéu. E os 50 milhões de pessoas com renda mensal até R$ 70 são mais do que a população toda da Argentina, cinco vezes a de Portugal (10,6 milhões), mais que a da Espanha, quase tanto quanto a da Inglaterra. Na verdade, o Brasil ainda continua entre os países com maior desigualdade de renda no mundo (1% mais ricos da nossa população tem 17% de toda a renda). E teremos em duas décadas mais de 20 milhões de pessoas que se somarão à população de hoje. Mas também é certo que em uma década nossa taxa de mortalidade infantil baixou quase para a metade do que era. Já a taxa de analfabetismo até 15 anos de idade caiu 30%. O esforço total significa que o governo federal está gastando 50,4% de suas despesas, ou R$ 405,2 bilhões anuais (excluídas as da dívida), em programas, além do Bolsa-Família, como os de amparo ao trabalhador, previdência urbana e rural, seguro-desemprego, assistência, abono salarial, assistência a deficientes e idosos.
Mas não estamos sozinhos no barco das dificuldades. Diz a ONU que mais de 800 milhões de pessoas no mundo passam fome todos os dias e uns 40% da população mundial (2,8 bilhões de pessoas) vivem com renda abaixo da linha da pobreza. Quase metade dos habitantes do planeta não dispõe de saneamento básico, o que leva mais de 1 bilhão de pessoas a defecar ao ar livre todos os dias (mais de 600 milhões na Índia). Mas os pobres, embora sejam maioria, só consomem um terço dos alimentos produzidos, enquanto um terço é desperdiçado. Como vamos ter pelo menos mais 2 bilhões de pessoas, talvez 2,5 bilhões, até 2050, será preciso produzir mais comida. Como, se a agricultura já usa 70% da água disponível na Terra e teria de chegar a quase 90%, quando 1 bilhão de pessoas já não têm acesso a água de boa qualidade?
Não custa citar mais uma vez os números que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) tem reiterado: os países industrializados, com menos de 20% da população mundial, consomem quase 80% dos recursos totais; as três pessoas mais ricas do mundo, juntas, têm tanto quanto o produto interno bruto (PIB) conjunto dos 48 países mais pobres, onde vivem 600 milhões de pessoas; as 257 pessoas mais ricas, com mais de US$ 1 bilhão cada, juntas têm mais que a renda anual de 40% da humanidade. E os 500 milhões de pessoas mais ricas (7,14% da população total) emitem 50% dos poluentes que causam mudanças climáticas. Um indiano consome 4 toneladas anuais de materiais, um canadense, 25 toneladas. Se se quiser chegar mais perto, o padrão médio de consumo de recursos dos paulistanos está 2,5 vezes acima da média global.
E assim vamos, aumentando as emissões de poluentes, elevando a temperatura do planeta, gerando cada vez mais "desastres naturais". Como se vai fazer, se mesmo com tantos programas em toda parte não conseguimos reverter as tendências globais - ao contrário, enfrentamos cada vez mais dificuldades, com as crises econômico-financeiras na Europa e suas repercussões no mundo? "Nosso modelo econômico e social está esgotado", tem repetido o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. E a crise não se resolverá em menos de cinco anos, afirma a chefe do governo alemão, Angela Merkel (já há economistas que preveem até "um século" para superar o drama).
Utópicos acham que só poderá haver soluções com uma reforma global que conduza à equidade entre países e, em cada um, entre as pessoas. Mas como se fará, se isso depende de decisões políticas que englobem todos os países, com problemas, visões e urgências políticas extremamente diferenciadas? Como reconfiguraremos o mundo, se a descrença na política é cada vez maior, principalmente por aqui? Quem tem a fórmula mágica? Como diz o personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, "uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta gente - dá susto de se saber - e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons...".
É a equação que está diante de todos, hoje. Com as crianças à espera de respostas sobre um futuro inquietante. E quanto mais demorarem as respostas, mais difícil será.
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