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De braço dado com Cachoeira

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Por Redação
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No fecho de editorial sobre o envolvimento do senador Demóstenes Torres com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, publicado na quarta-feira (4/4), perguntávamos, a respeito das atividades do chefe da jogatina em Goiás: "Até onde terá chegado esse indivíduo, agindo com desenvoltura - e impunemente - há anos, graças a suas privilegiadas relações políticas?". Reportagem publicada no mesmo dia por O Globo levanta o que, aparentemente, é a ponta do véu que encobre as atividades criminosas do contraventor goiano e demonstra que a impunidade de que até agora ele tem desfrutado certamente se deve às relações políticas que mantém com agentes públicos importantes em todos os níveis de governo e da Polícia Federal (PF), além de empresários que o auxiliam na tarefa da lavagem de dinheiro. Revela a matéria que, além do dinheiro vivo, outra importante moeda de troca de Cachoeira com as autoridades que o beneficiam e protegem são informações policiais sigilosas que lhe são vazadas por uma ampla rede de agentes que certamente não trabalham para ele de graça.Desde o dia 29 de fevereiro Carlinhos Cachoeira é prisioneiro da Polícia Federal, indiciado com mais 81 pessoas, acusado de crimes como corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, exploração de jogo de azar - tudo apurado pela Operação Monte Carlo, que desarticulou a quadrilha que explorava caça-níqueis em Goiás. Grande proprietário de terras e de empresas beneficiadas por vantagens indevidas, obtidas por meio de seus contatos na política, Cachoeira, como ficou demonstrado pelos grampos telefônicos da PF, exerceu influência importante nos negócios do governo do Distrito Federal e, mais importante, nos domínios do governador de Goiás, por intermédio da chefe de gabinete, Eliane Pinheiro, que se demitiu do cargo. Apesar de o governador Marconi Perillo (PSDB) negar que tivesse conhecimento da relação de sua funcionária de confiança com o contraventor, as investigações da PF indicam que Cachoeira influenciou a nomeação dos ocupantes de vários cargos públicos em Goiás. O sucesso de Carlinhos Cachoeira nas tarefas de ampliar seu elenco de cúmplices e de prosperar em seus negócios escusos só foi possível pela associação inescrupulosa entre o que é público e o que é privado. Esse nefasto tipo de lassidão moral se expressa na desculpa hipócrita de que não é possível administrar a coisa pública com base em "moralismos rígidos e inócuos" e de que é plenamente justificável algum nível de tolerância com os malfeitos para manter a máquina do governo em bom funcionamento. Recentemente, matéria jornalística divulgada por uma emissora de televisão chocou a Nação com a exposição do comportamento cínico de empresários e seus prepostos que ofereciam propina a quem pensavam ser um agente público com o argumento de que se trata de uma "prática normal" e até mesmo de uma imposição da "ética do mercado".Embora esta não seja uma postura, pelas razões óbvias, abertamente assumida, ela inspira o comportamento de governantes que se vangloriam de, com paciência e habilidade, em nome do mais elevado interesse público, terem descoberto a fórmula infalível da governabilidade. É óbvio que os exemplos que vêm de cima, mesmo quando apenas inconscientemente percebidos, têm grande poder de influenciar, para o bem ou para o mal, o comportamento de uma sociedade. Até para fornecer, no caso de contaminação, desculpas para desvios de conduta. E esta talvez seja uma das explicações para o fato de que, como nunca antes na história deste país, se tende hoje a acreditar que a corrupção é algo inevitavelmente inerente ao trato da coisa pública. As revelações das ligações de Carlinhos Cachoeira com políticos e funcionários públicos ajudam a explicar como o banqueiro do bicho goiano conseguiu prosperar em suas atividades ilícitas e permanecer impune por tanto tempo. A seu modo, Cachoeira e todos os demais empresários sem escrúpulos que gravitam em torno dos poderes públicos em todo o País são parceiros do pacto de poder que domina boa parte da governança brasileira em todos os níveis. E a tendência natural de parceiros é protegerem-se mutuamente. Pelo menos até que a casa caia.