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De novo na Praça Tahrir

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Por Redação
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Quinze meses depois de servir de palco para o movimento de massa que clamava pela derrubada do regime de Hosni Mubarak, a Praça Tahrir, no centro do Cairo, voltou a ser o ponto de convergência das multidões iradas com os rumos do Egito. Desde o fim da semana ecoam ali novos protestos. Os primeiros, que obrigaram o ditador a renunciar em 17 dias, não conseguiram desmantelar a estrutura de poder que se cristalizou no país ao longo dos 30 anos de sua autocracia. O Conselho Supremo das Forças Armadas, que lhe sucedeu, embora tenha cumprido a promessa de promover eleições legislativas e presidenciais - estas últimas com o segundo turno marcado para o fim da próxima semana -, continua a ter a última palavra em todas as questões nacionais. E o aparato repressivo concentrado no Ministério do Interior continua a prender e torturar impunemente. Onze mil egípcios já conheceram os cárceres depois da queda de Mubarak.Esse quadro que a tudo parece resistir é o que mantém Tahrir ocupada. Dois são os mais recentes focos de indignação - o desfecho do julgamento de Mubarak, seus filhos e a cúpula dos serviços de segurança do antigo regime; e o resultado da primeira rodada da disputa pela presidência. No último sábado, o ex-ditador de 84 anos foi condenado à prisão perpétua por "negligência" na morte de mais de 800 manifestantes. Dado o seu estado de saúde, é certo que a perpetuidade da pena durará muito pouco.Não faltou quem desejasse a sua condenação à morte, mas o que desencadeou os protestos foram os demais veredictos. Mubarak e os seus dois filhos foram absolvidos das acusações de corrupção e enriquecimento ilícito porque os crimes teriam prescrito. O tribunal impôs ainda a prisão perpétua ao ex-ministro do Interior à época da rebelião, Habib al Adli, mas absolveu "por falta de provas" seis oficiais da polícia política acusados de comandar as matanças no Cairo e Alexandria.Essa é a encruzilhada onde "a justiça do regime", como dizem os seus detratores, se encontra com o processo político. A primeira rodada do pleito presidencial, a que concorreram os 12 nomes aprovados pelas autoridades eleitorais controladas pela junta militar, terminou com a vitória do candidato da Irmandade Muçulmana, Mohamed Mursi, com 25% dos votos, seguido pelo marechal Ahmed Shafiq, com 24%. Um islâmico e um militar - como se a Primavera Árabe não tivesse chegado ao Egito.Comandante da Força Aérea, sob Mubarak, Shafiq foi o seu último primeiro-ministro durante 33 dias - incluindo o 2 de fevereiro de 2011, quando gangues arregimentadas pelo governo atacaram a massa reunida em Tahrir, deixando dezenas de mortos e feridos. O fato de ele ter passado para o segundo turno - numa disputa em que, segundo os perdedores, mais de 1,5 milhão de votos teriam sido adulterados - reavivou as demandas pela cassação de sua candidatura. Uma lei baixada pelo novo Parlamento veda a participação eleitoral de egressos da era Mubarak.A comissão eleitoral efetivamente tinha barrado Shafiq, mas ele recorreu e conseguiu se inscrever como uma espécie de candidato sub judice. Não se sabe se ou quando o recurso será julgado. "O regime ainda não caiu. Precisamos remover Shafiq e aplicar a lei a Mubarak", resume um ativista. A nova onda de manifestações é incentivada por três dos presidenciáveis derrotados: o socialista Hamdeen Sabahy (21% dos votos), o islâmico moderado Abdel-Moneim Aboul-Futouh (17%) e o centrista Amr Moussa, ex-secretário-geral da Liga Árabe (11%).Para se ter ideia das incertezas que cercam a transição política egípcia (além da escolha do primeiro presidente pós-Mubarak, estão em jogo os poderes do Legislativo e dos militares e a edição de uma nova Carta). Sabahy, Futouh e Moussa querem criar nada menos que um conselho presidencial, ao qual se agregaria o ex-diretor da agência de energia atômica da ONU Mohamed ElBaradei. O colegiado assumiria o Executivo, no lugar de quem levasse a melhor na derradeira rodada dos próximos dias 16 e 17. Eles seriam "mais representativos" do que os finalistas.