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De novo o cadastro ''positivo''

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Por Redação
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Nos últimos dias de seu mandato, o ex-presidente Lula vetou integralmente o projeto aprovado pelo Congresso Nacional que instituiria um sistema simplista de cadastro positivo, que feria frontalmente o direito à privacidade do consumidor. Mas, em vez de se limitar ao veto, baixou a Medida Provisória (MP) 518, que, com algumas ressalvas, como a exigência de permissão expressa de pessoas físicas para ter seus dados incluídos em um registro de "bons pagadores", cria um processo com um potencial tão discriminatório quanto o cadastro positivo vetado. É fácil imaginar que o consumidor que se negar a fornecer dados quanto a seus compromissos pessoais, indo de contas de luz, água, telefone fixo a dívidas bancárias ou contraídas por meio de cartões de crédito, passará automaticamente a ser considerado mau pagador, o que significa, na realidade, um prejulgamento, sendo considerado culpado ou inadimplente apenas por desejar preservar sua privacidade. Além disso, essa é uma burocracia inútil, já que os bancos e os serviços de proteção e de análise de crédito já possuem fichas de milhões de pessoas, constando de seus registros qualquer irregularidade de pagamento, obtidas diretamente de cartórios ou por seus serviços de coleta de informações. Isso quer dizer que, por exclusão, quem não tiver cadastro negativo, tem ficha limpa. É interessante notar que, segundo a MP 518, está excluído do cadastro positivo o não pagamento de contas de aparelhos celulares. A razão para isso é que a inadimplência, nesses casos, frequentemente é consequência de reclamações feitas pelos assinantes, que alegam não ter usado os serviços cobrados. Se nada disso bastasse, nada autoriza crer que, por serem inscritos no cadastro positivo, os clientes de bancos poderão pagar dois ou três pontos porcentuais de juros a menos ou gozarão de descontos em lojas. Afinal de contas, os bancos desde sempre souberam quem são os bons clientes, e nem por isso lhes reduz os encargos. Quando o projeto foi aprovado no Senado, dirigentes de bancos declararam que o cadastro positivo poderia levar a uma redução do custo do dinheiro, mas "a longo prazo". Lojistas têm-se manifestado também a favor da medida, mas não se comprometem com descontos.Vê-se, portanto, que o consumidor não terá benefício algum com a MP 518, que está destinada a só lhe dar trabalheira e novos aborrecimentos. Os bancos e o comércio varejista alegam que a MP 518 reduziria os seus custos aos lhes proporcionar mais segurança na concessão de crédito ao consumidor. O argumento também não procede. Já existem elementos para identificar os maus pagadores. Na verdade, o que bancos e lojas desejam não é obter mais informações sobre os seus próprios clientes, mas, sim, contar com dados que possam dar acesso a um público consumidor maior.Segundo declarou ao Estado (1.º/1) a advogada Marli Aparecida Sampaio, ex-diretora do Procon-SP, há comerciantes hoje que, para se prevenirem, "acabam comprando, de maneira informal, dados que traçam os perfis dos consumidores. Para eles, o cadastro positivo representaria uma grande economia". Pode ser, para alguns. Mas, certamente, com a instituição do cadastro positivo, nos moldes da MP 518, esse comércio informal de listas de consumidores tenderá a proliferar. A MP estimula o compartilhamento de informações pessoais de clientes de empresas para empresas, de bancos para empresas e de bancos para bancos. Abre-se uma enorme brecha para que funcionários inescrupulosos, que tenham acesso a esses bancos de dados, transmitam para seus computadores pessoais, endereços, telefones, números de chapas de automóveis, etc. e passem a comercializá-los. Como é notório, já existe um florescente comércio ilegal de dados pessoais nas grandes metrópoles, que funciona sem repressão policial, e que só tenderia a aumentar. O que se espera das entidades de defesa do consumidor é que não se deixem enganar pelo pretenso atendimento às suas justas reivindicações e que se empenhem na rejeição da MP 518, evitando que se transforme em lei essa nova ameaça à privacidade e à segurança dos cidadãos.