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De olho nos Estados Unidos

As próximas ações do Fed poderão ser especialmente emocionantes

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Por Redação
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O presidente Michel Temer pode ter pelo menos uma certeza quanto à economia internacional: o mundo continuará a se mover, para o bem ou para o mal, sem esperar para ver se o Brasil está a bordo ou se ficou para trás e será prejudicado. Isso vale para a política de juros do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), uma referência para todos os mercados. A taxa voltará a subir proximamente, indicou a presidente do Fed, Janet Yellen, em depoimentos no Senado e na Câmara de Representantes, na terça e na quarta-feira passadas. Não indicou uma data, mas ninguém ficará surpreso se o novo aumento ocorrer em março ou na reunião seguinte do Comitê Federal de Mercado Aberto, em junho. Esse comitê, equivalente ao Copom, é responsável pelas principais decisões de política monetária nos Estados Unidos.

Juros externos mais altos podem ser um problema sério para um governo empenhado em corrigir um enorme desajuste nas contas públicas e em controlar uma dívida muito alta para uma economia emergente, especialmente quando o crédito soberano está reduzido ao grau especulativo, dois níveis abaixo do piso do grau de investimento. O Brasil foi rebaixado a essa posição pelas três maiores agências de classificação de risco, a Standard & Poor’s, a Fitch e a Moody’s.

As próximas ações do Fed poderão ser especialmente emocionantes, porque poderão ser temperadas por uma forte divergência, por enquanto apenas insinuada, entre a autoridade monetária e a presidência da República. Yellen declarou-se disposta a trabalhar com o novo secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, numa revisão exaustiva da regulação imposta ao setor bancário depois da crise de 2008.

Apesar dessa declaração, ela deixou entrever uma forte diferença em relação ao presidente Donald Trump, comprometido com uma política de afrouxamento das normas. A regulação mais forte, disse Yellen, fortaleceu os bancos e ajudou na recuperação econômica.

Ela também disse acreditar na eficácia da exigência, adotada nos últimos anos, de maiores níveis de capitalização para aumento da segurança bancária.

Evitando avançar na discussão da nova política econômica prometida por Trump, ela avançou, no entanto, algumas qualificações.

Trump anunciou a disposição de impulsionar o crescimento da economia com redução de impostos e maiores gastos federais.

Evitando comentários mais detalhados, Yellen permitiu-se, no entanto, uma observação importante: crescimento mais veloz é muito desejável, se apoiado em aumento da produtividade. Traduzindo: sem aumento da eficiência econômica, o crescimento provocado por facilidades fiscais pode resultar em novos desajustes. Essa advertência deve parecer familiar aos brasileiros. Cuidados com a produtividade e as condições de oferta foram desprezados pelo governo petista, em suas ações de estímulo, e o Brasil ainda paga por isso.

Ainda à espera de dados mais claros sobre a política de Trump, o pessoal do Fed continua comprometido com a “normalização da política monetária”, isto é, com a elevação gradual dos juros, hoje na faixa de 0,5% a 0,75%. Se a economia continuar avançando, com mais empregos e inflação rumando para a meta de 2% ao ano, será indispensável mexer na taxa de referência “numa das próximas reuniões”. Esperar demais para abandonar a política de acomodação seria insensato, segundo Yellen, porque o comitê poderia ser forçado, adiante, a elevar os juros muito rapidamente, criando problemas para o setor financeiro e talvez até empurrando o País para uma recessão.

Esse comentário deve ser mais um alerta para o governo brasileiro e para políticos capazes de se interessar por assuntos desse tipo.

Quanto mais lento o ajuste das contas públicas e mais demorado o controle da dívida, mais exposto estará o País a desarranjos financeiros e cambiais provocados pela alta dos juros externos. Tudo será pior, se o Fed tiver de compensar desmandos populistas do governo Trump. Já é muito complicado cuidar dos efeitos do populismo petista.