Imagem ex-librisOpinião do Estadão

De pesos e medidas

Vivêssemos tempos normais, nem Aécio Neves nem Lula poderiam ser impedidos de exercer suas atividades, muito menos por meio de prisão preventiva

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou uma manifestação ao Supremo Tribunal Federal afirmando que é “imprescindível” a prisão preventiva do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Para provar essa urgência, Janot usou como argumento uma fotografia em que Aécio aparece em uma reunião com os senadores tucanos Antonio Anastasia (MG), Cássio Cunha Lima (PB) e José Serra (SP). Segundo Janot, tal imagem, publicada na própria página de Aécio no Facebook, comprova que o senador “continuou exercendo suas funções” parlamentares, e isso, na opinião do procurador-geral, contraria a determinação do Supremo de que ele se afaste do cargo de congressista.

Mais do que isso: Janot considera que Aécio, ao se encontrar com colegas do Senado, está fazendo “uso espúrio do poder político”, possibilitado pelo “aspecto dinâmico de sua condição de congressista representado pelo próprio exercício do mandato em suas diversas dimensões, inclusive a da influência sobre pessoas em posição de poder”. O procurador-geral considera que a “plena liberdade de movimentação espacial e de acesso a pessoas e instituições” confere a Aécio a possibilidade de “manter encontros indevidos em lugares inadequados”.

Essa destrambelhada manifestação de Janot é resultado não apenas do peculiar momento que vive o Ministério Público, em que o bom senso tem dado lugar ao ímpeto justiceiro contra os políticos em geral, mas principalmente das brechas abertas por algumas decisões estapafúrdias do Supremo, uma das quais, citada pelo procurador-geral, foi justamente o afastamento de Aécio Neves.

Ora, não há nenhuma previsão constitucional que dê ao Judiciário o poder de afastar políticos do mandato obtido nas urnas. Essa é uma inovação recente, implementada pelo ministro Teori Zavascki, em maio de 2016, quando decidiu, em razão de “situação extraordinária, excepcional e, por isso, pontual”, mandar afastar o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Mas a excepcionalidade invocada por Zavascki, de certa forma justificada no caso de Cunha, que usava o cargo e o mandato para escapar das consequências de seus atos, parece ter se tornado perigosa rotina. Tudo isso parece inspirar os ativistas judiciais, para os quais político bom é político preso.

Bem, nem todos os políticos. A sofreguidão da Procuradoria-Geral da República para prender Aécio não se repete, por exemplo, no caso do ex-presidente Lula da Silva. O chefão petista responde a nada menos que cinco processos, sob acusação de corrupção passiva, organização criminosa, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e obstrução de Justiça. A despeito de todas essas denúncias, o Ministério Público não pediu a prisão preventiva de Lula da Silva, nem mesmo depois que o empresário Joesley Batista delatou o petista, informando que o Grupo JBS mantinha contas na Suíça tanto para o ex-presidente como para a presidente cassada Dilma Rousseff.

Em nenhum momento Janot considerou que Lula devesse estar atrás das grades, como alegou no caso de Aécio. Enquanto considera que uma simples foto do senador tucano com outros parlamentares prova que ele faz uso de seu mandato parlamentar para se proteger e se locupletar, Janot parece não ver nada demais nas intensas atividades políticas de Lula da Silva, que está em permanente campanha para presidente. Enquanto cita a “periculosidade de parlamentares corruptos do quilate de Aécio Neves” para sustentar seu pedido de prisão preventiva do senador mineiro, Janot, que já qualificou Lula da Silva de “chefe de organização criminosa” no caso do petrolão, acredita que o ex-presidente pode continuar solto até seu julgamento.

Vivêssemos tempos normais, nem Aécio nem Lula poderiam ser impedidos de exercer suas atividades, muito menos por meio de prisão preventiva, uma vez que eles ainda não tiveram seus direitos políticos cassados. Mas não vivemos tempos normais, razão pela qual a Constituição, hoje, serve para uns, mas não serve para outros.