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De volta a velha chantagem

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Por Redação
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Nem as queixas das empresas de ônibus quanto ao comportamento da Prefeitura em suas relações com elas nem as ameaças de piora dos serviços - já ruins - que prestam à população devem causar surpresa. Afinal, isto acontece todos os anos na época dos reajustes contratuais e das negociações salariais com os motoristas e cobradores. É a velha técnica das pressões e da chantagem para obter maiores vantagens. Mas o sentimento de revolta ante esse comportamento irresponsável de empresas que transportam mais de 4,5 milhões de pessoas por dia na maior metrópole brasileira, esse não há como evitar. Em carta enviada à Câmara Municipal, sete das oito empresas concessionárias afirmam que a Prefeitura cortou em até 90% os bônus contratuais por elas recebidos como incentivo para a renovação da frota. Segundo elas, em janeiro e fevereiro, os bônus tiveram redução média de 40% e, em março, de 90%. A carta tem também a intenção de informar os vereadores sobre os reajustes da remuneração recebida da Prefeitura pela prestação do serviço de transporte. Alegam as empresas que o reajuste contratual, que ocorre sempre no mês de março, foi este ano de 7%, em média, inferior ao aumento de custos. Uma só empresa, justamente a que não assina a carta, teria recebido aumento maior, de 11,65%. Em consequência disso tudo, concluem elas, haverá "prejuízos irreparáveis na qualidade dos serviços". A chantagem é clara, e não para aí. As reclamações das empresas de ônibus coincidem com as negociações para o reajuste salarial de motoristas e cobradores, nas quais elas sintomaticamente também endureceram o jogo. "Não vamos aceitar que as empresas deixem de dar o reajuste pela falta de repasse da Prefeitura", responde o presidente do sindicato dos trabalhadores, Isao Hosogi. O enredo desse filme já é bem conhecido. O terreno está sendo preparado para mais uma greve que deixará milhões de paulistanos a pé e tumultuará a vida da cidade. Não é à toa que há anos as autoridades municipais - em vários governos, de diferentes partidos - vêm denunciando a existência de conluio entre patrões e empregados desse setor. Ambos usam, sem o menor pudor, a população da cidade como refém para alcançar vantagens. O problema dos bônus deve ser visto de dois ângulos. A Prefeitura reconhece, como alegam as viações, que fez alterações nos pagamentos, por causa da queda da arrecadação, mas garante que exercerá rigorosa fiscalização para que sejam mantidos "os bons serviços prestados à população". Este é um dos lados da questão. O outro diz respeito à própria validade da existência do bônus para a renovação da frota, com o qual o governo municipal concordou. Essa vantagem não deveria existir. A renovação da frota é uma evidente obrigação da concessionária. Não há razão, portanto, para dar às empresas qualquer tipo de vantagem em troca disso. Esta é uma boa oportunidade para se corrigir esse erro. Os subsídios pagos ao setor são outro ponto importante da questão. Dizem os donos de viações que a previsão de subsídios para este ano, de R$ 600 milhões, não cobrirá as despesas do sistema com a passagem a R$ 2,30. De fato, calcula-se que para manter a tarifa nesse valor em 2009, de acordo com a imprudente promessa feita pelo prefeito Gilberto Kassab durante a campanha eleitoral do ano passado, serão necessários subsídios de R$ 1,1 bilhão. Mas aquele erro do prefeito não justifica a chantagem das empresas de ônibus. Não se deve esquecer que, para compensar eventuais perdas com os subsídios, as viações receberam algumas vantagens do prefeito. Foram alteradas - e isto também foi um erro - as regras de fiscalização e controle de qualidade dos serviços prestados pelas viações e cooperativas de perueiros. A regra dos 4 mil pontos de infrações acumulados por empresa, que antes acarretavam seu descredenciamento, deixou de existir. Se estivesse em vigor, poderiam ser descredenciados 5.928 ônibus e vans. Uma concessão de peso. As empresas não têm, pois, do que se queixar. Mais uma razão para a Prefeitura não ceder à chantagem.