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Defensores da aberração

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Por Redação
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O ministro da Saúde, Arthur Chioro, propõe a criação de um tributo especial para financiar o setor, uma ideia talvez nobre na intenção, mas potencialmente desastrosa em termos administrativos e econômicos. Mesmo sem mencionar a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), o ministro reforça, com sua proposta, a campanha a favor do retorno dessa aberração tributária, desconhecida na maior parte do mundo e incompatível com qualquer ordenamento moderno. A origem dessa contribuição foi um imposto provisório instituído em 1997 como solução de emergência. Convertido em contribuição, esse tributo nunca perdeu a provisoriedade nominal, mas só foi extinto em 2008, com votos tanto da oposição como da base de apoio ao governo petista.A mudança nunca foi bem aceita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por sua sucessora, Dilma Rousseff, e líderes petistas sempre lamentaram a perda de uma grande fonte de financiamento da saúde pública. Mas a CPMF jamais foi destinada integralmente a essa finalidade. Sempre entrou na vala comum dos tributos, servindo, principalmente, para sustentar a gastança populista. Nenhuma pessoa informada pode, com seriedade, negar esse fato.Mas os críticos da CPMF sempre atribuíram - com razão - maior peso a outro tipo de argumento. Esse tipo de contribuição foge totalmente dos critérios normais da tributação. Não incide sobre atos de produção ou de circulação nem sobre a propriedade. Não incide sequer sobre transações financeiras.No Brasil, como em outros países com razoável grau de normalidade institucional, os contribuintes pagam tributos baseados em todos esses fatos geradores, alguns já redundantes, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Mas durante muitos anos tiveram de pagar também pela mera emissão de um cheque, isto é, pela movimentação de um saldo bancário, independentemente da natureza da transação.Ao comprar um televisor ou um pacote de ração para cães ou gatos, esses contribuintes desembolsaram o valor do IPI, do ICMS e de outros tributos habitualmente embutidos no preço final da mercadoria, mas, além disso, foram ainda taxados pelo simples ato de pagar.Além de ser uma aberração, vista com curiosidade e espanto por estrangeiros, a CPMF ainda era cobrada numa dupla cascata. Em sua base de cálculo estavam os impostos normais incluídos no preço do bem ou serviço e a própria contribuição incidente nas etapas anteriores da circulação.Quanto mais complexo o processo de formação de valor, maior o número de incidências. Além de aberrante, um tributo desse tipo seria tanto mais desastroso quanto mais industrializada e diversificada fosse a economia onde alguém tivesse a ideia infeliz de implantá-lo.Não se pode negar a dificuldade crescente de financiar a saúde pública e é preciso discutir o assunto. Mas é preciso, na busca de soluções, passar longe de dois perigos. Um deles é a tentação de adotar perversões tributárias, caso inegável da CPMF. O outro é o recurso a vinculações orçamentárias e a tributos carimbados. Vinculações nunca foram garantias de boas políticas educacionais ou de saúde nem de eficiência na administração pública. Ao contrário: a certeza de uma verba mínima, garantida pela inércia do processo orçamentário, tende a ser um desestímulo à criatividade e à competência.O Ministério da Saúde tem ficado longe, por muitos anos, de qualquer desses quesitos. Não tem sido sequer capaz de investir as verbas orçadas, como indicam levantamentos do Conselho Federal de Medicina e da organização Contas Abertas. Em 2014, até 20 de outubro, só havia pago R$ 3,7 bilhões dos R$ 10 bilhões previstos para investimentos - e esses desembolsos incluíram restos a pagar.Que alguns governadores queiram a volta da CPMF - sem desvinculação - é compreensível. Receber uma parcela dos tributos federais é mais confortável do que cobrar impostos e administrar bem. Mas o ministro falou também sobre gastar da melhor maneira e administrar com eficiência. Deveria dar mais ênfase a esses itens, antes de discutir maior tributação.