02 de setembro de 2015 | 03h00
Para começar, é impossível levar a sério o déficit previsto de R$ 30,5 bilhões. Para conseguir esse resultado, o governo dependerá de receitas extras, provenientes das vendas de bens públicos (R$ 27,3 bilhões) e de concessões na área de infraestrutura (R$ 10 bilhões). São recursos incertos. No caso das concessões, muito incertos, porque o Executivo tem sido incapaz, com suas propostas, de atrair investidores privados para participar dos projetos federais.
Além disso, foi anunciado um plano de aumento de tributos sobre produtos de informática e bebidas e sobre operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O governo tem algum poder sobre esses tributos, e já editou medidas provisórias e decretos para aumentá-los, mas o sucesso das concessões e das vendas de ativos é muito incerto. Esse nem é, no entanto, o ponto mais importante para avaliar a qualidade da proposta. A caça a recursos de ocasião para fechar as contas, ou pelo menos diminuir o buraco financeiro, é um mero expediente para enfrentar uma emergência. Foi usado muitas vezes, nos últimos anos, e as contas públicas pioraram continuamente. Ajuste fiscal é outra coisa. Depende de coragem, seriedade e competência, valores mais escassos que o dinheiro no balanço político e administrativo da presidente Dilma Rousseff, no mandato passado e no atual.
Além disso, os números mudaram de uma forma estranha de um dia para outro. Até domingo, grandes jornais noticiaram, com base em fontes do governo, previsões de déficit primário na faixa de R$ 50 bilhões a R$ 80 bilhões. Abandonado o plano de recriar a CPMF, o imposto sobre o cheque, sobrou um déficit de R$ 30,5 bilhões. Terá ocorrido algum milagre? Ou terá havido uma enorme confusão na pressa de fechar os cálculos?
Mas nem a condição legal da proposta enviada ao Congresso é clara. Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) “disporá (...) sobre o equilíbrio de receitas e despesas” e o projeto de lei orçamentária anual será “elaborado de forma compatível (...) com a Lei de Diretrizes Orçamentárias”. A nova LDO nem foi ainda aprovada, mas o pressuposto do equilíbrio se mantém. O Executivo deve ter recorrido a uma interpretação menos evidente, portanto, para se julgar autorizado a mandar um projeto com déficit primário.
Oposicionistas acusaram o governo de ilegalidade. Os artigos 4.º e 5.º da Lei de Responsabilidade Fiscal dão força a essa acusação e há base para um debate. Além disso, governos anteriores, incluído o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, cuidaram sempre de mandar propostas sem déficit primário. O governo deveria esclarecer o público sobre o critério usado neste ano.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defendeu cortes de gastos para facilitar o ajuste, segundo fontes de Brasília, e mais uma vez foi derrotado. A presidente desprezou suas opiniões e já tem planos, também segundo fontes do governo, de uma nova ofensiva para recriar a CPMF. Não se sabe por que o ministro da Fazenda insiste em ficar no posto. Ajudará a presidente na nova investida a favor do imposto do cheque?
Encontrou algum erro? Entre em contato