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Depois do berreiro triunfal

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Por Redação
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Realizadas domingo as eleições nos 335 municípios do país, os venezuelanos só voltarão às urnas daqui a dois anos para escolher os novos membros da Assembleia Nacional. O intervalo é incomum na Venezuela de Hugo Chávez, em que o autocrata convocava votações a três por quatro, de forma tal a promover a perpetuação do regime. Desta vez, o tempo dará ao sucessor Nicolás Maduro uma oportunidade para que tente salvar as finanças nacionais destroçadas pelo acúmulo de demagogia, incompetência e desvario da desditosa Revolução Bolivariana, sem que a população possa lhe dar o troco tão logo. Isso porque, se o herdeiro de Chávez levar a cabo ainda que uma parte do necessário para deter o desmanche do "socialismo do século 21", terá inexoravelmente de adotar medidas impopulares, consideradas ortodoxas nos sistemas capitalistas.A primeira delas - a maxidesvalorização do bolívar, a moeda local - poderá vir antes até das festas de fim de ano. É o mínimo que o governo pode fazer para conter a escalada da dívida pública, a fuga de divisas e a sangria das reservas internacionais desse país onde o dólar é negociado na vida real a 60 bolívares, ou 9,5 vezes a cotação oficial de 6,30. Para ter ideia, o estoque de moeda forte em poder do Tesouro, perto de US$ 21 bilhões, minguou 30% a contar de janeiro, impedindo o país de pagar em dia os seus compromissos externos. Máxis são sempre um recurso heroico sujeito a resultados conflitantes. Mas na Venezuela, que importa praticamente tudo o que consome, uma depreciação do bolívar para cerca de US$ 10, ou da ordem de 60%, como se especula, acarretará um violento impacto sobre o custo de vida. A inflação venezuelana já roda a 54% ao ano.Ganhará com isso, porém, a saqueada estatal do petróleo, a PDVSA - que fatura algo como US$ 300 milhões por dia -, obrigada pelo regime a financiar a maior parte dos seus projetos sociais. Acrescente-se a isso os desmandos administrativos e a corrupção e se entenderá por que, apenas no primeiro semestre, ela se endividou em US$ 2 bilhões. Sem eleições por perto, os hierarcas de Caracas ousaram tocar num tabu: o custo da gasolina, inferior ao da água mineral. Na bomba, 10 litros custam o equivalente a US$ 0,40. Na segunda-feira, um dia depois de Maduro cantar vitória - os candidatos do governo a prefeito receberam 700 mil votos a mais do que os da oposição - e prometer intensificar a sua "ofensiva econômica" para forçar as empresas a baixas suicidas de preços, o vice Jorge Arreaza falou em "começar a cobrar pela gasolina".Poucos duvidam de que o setor privado é que pagará a conta das mudanças a caminho: sobre esse se abaterá a mão pesada do chavismo. Em novembro, a coação de que foi alvo o sistema produtivo gerou uma onda de consumo de bens duráveis que, por sua vez, se refletiu na popularidade de Maduro e, afinal, nas urnas. Em abril, mesmo sob a comoção pública da morte de Chávez, o seu apadrinhado ganhou o pleito presidencial, marcado por fraudes, com menos de 51% dos votos, ou 1,4 ponto de vantagem sobre o opositor Henrique Capriles. Agora, os candidatos do partido oficial, o PSUV, bateram os da frente oposicionista MUD por 6 pontos de vantagem. Vistos de perto, porém, os resultados revelam que Maduro sofreu derrotas que o berreiro triunfal do governo tentou disfarçar.A oposição levou a melhor em quatro dos cinco municípios que formam o Distrito Federal, reelegeu o prefeito da área metropolitana de Caracas, Antonio Ledezma, e tomou da família Chávez o seu feudo de Barinas. O êxito de Ledezma foi especialmente expressivo porque o chavismo escolheu a dedo quem deveria apeá-lo: Ernesto Villegas, o número um da nova geração bolivariana. Era ele quem anunciava na TV os maquiados boletins de saúde do caudilho internado em Havana. Na disputa pela capital, obviamente a mais importante da jornada, Ledezma o derrotou por uma cabeça: 0,1% dos votos. Para o diretor do respeitado instituto de pesquisas Datanálisis, Luis Vicente León, "não se viu nem uma vitória espetacular do governo nem um triunfo da oposição no caráter plebiscitário (sobre Maduro) que se pretendia impor ao processo". A Venezuela segue basicamente dividida.