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Depois do vendaval

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Por Almir Pazzianotto Pinto
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Amainado o vendaval que incalculáveis estragos provocou na economia, como ficará o mercado de trabalho? A interrogação deveria inquietar o cérebro de governantes, até o momento incapazes de prever a duração e de calcular a extensão social dos prejuízos gerados pela crise. O Brasil é um caso singular de instabilidade jurídica e de desleixo com as principais artérias da economia. Culpa dos supremos dirigentes que, alheios às razões fundamentais do desemprego e da pobreza, perambulam mundo afora a ministrar lições de ética e moralidade, fazendo-nos pagar constantes vexames. Não se conhece, ao certo, o número daqueles que perderam o emprego nos últimos meses. Sabemos, porém, que são centenas de milhares. As contas do Ministério do Trabalho, bastante subestimadas, permanecem muito aquém da realidade. Seja como for, ao voltarmos à vida normal, o mercado de trabalho não retornará aos níveis em que antes de encontrava. Pelo contrário, terá encolhido e acusará muitas baixas. Ao tentar traduzir em equação algébrica o fenômeno desemprego, o primeiro dos termos é a dinâmica do aumento populacional, variável de extraordinário significado, embora quase sempre esquecida. O seguinte termo vai-se referir ao número de ascendentes anuais ao mercado de trabalho. É composto pela quantidade de jovens que, ao completarem 16 anos, aspiram pela chance de ganhar algum salário. O terceiro fator corresponde à taxa de desempregados que nutrem a esperança de voltar às atividades produtivas. Serão levados na devida conta, também, a informatização como instrumento de pulverização de ofícios e profissões, os reflexos da globalização e, especificamente para nós, brasileiros, a onerosidade, as armadilhas e a complexidade da legislação trabalhista. O crescimento da população nativa, que dobrou no breve período de 40 anos, lança a todo ano no mercado mais de 1 milhão de pretendentes a cargos e empregos públicos e a postos de trabalho na iniciativa privada. Há que considerar, ainda, o acelerado aumento dos habitantes do planeta - saltando, no período de um século, de 1 bilhão, em 1900, para 6,6 bilhões, em 2008. No Brasil e no mundo a taxa de natalidade é bem maior nas áreas paupérrimas e entre famílias carentes, ou seja, em meio àqueles que enfrentam maiores dificuldades para encontrar trabalho decente e que mais exigem da assistência governamental. Para os pobres, a solução há muito tempo vem sendo o deslocamento em direção à regiões que imaginam serem ricas ou promissoras em oportunidades de trabalho. Assim se explica a imigração italiana, no início do século 20, para os Estados Unidos e para o Brasil; dos nordestinos a São Paulo, sobretudo nas décadas de 50, 60, 70; de nisseis e sanseis ao Japão; e de mineiros do Vale do Jequitinhonha à América do Norte, através do deserto do México. Uma rápida visita ao Glicério, ao Bom Retiro e à Rua 25 de Março e adjacências revela a forte presença de paraguaios e bolivianos, que para cá continuam a vir, em fuga da miséria. Povos inteligentes, sob a liderança de dirigentes preocupados com o futuro, tratam de manter o número de nascimentos em patamares baixos e controlados, mediante campanhas educativas e políticas públicas bem arquitetadas. Não é o caso brasileiro, onde, além do absoluto desinteresse pelo planejamento familiar, o Bolsa-Família serve de invencível estímulo à ociosidade e induz a geração de proles numerosas nas camadas mais necessitadas. A turbulência econômica não fez com que o governo petista tomasse iniciativas no sentido de adequar a legislação trabalhista às exigências da globalização e da informatização da sociedade. Ao contrário, continua a ver o mundo com óculos do século 19, empenhando esforços no sentido de lançar empregados contra patrões, tomando como dogma de fé o Manifesto Comunista de Marx. O Ministério Público do Trabalho, por sua vez, dotado dos excepcionais poderes que lhe confere a Constituição e a pretexto do combate à precarização, recusa-se a admitir a legitimidade de novas formas de prestação de serviços, como a terceirização, a firma individual e o cooperativismo. Não se apercebe de que o mercado informal, apesar de graves problemas, transformou-se em válvula de segurança para milhões de famílias, não só aqui, como na Itália, na China, na Índia e em Cingapura, países dos quais nos tornamos importadores. É impossível a recusa à informalidade, enquanto o Estado garroteia empresas formalizadas com impostos, encargos trabalhistas e previdenciários, fundo de garantia, autos abusivos de infração e ações civis públicas. O governo pretende o impossível quando defende a necessidade da geração de empregos e renda, mas se conserva impassível diante do tormento em que se converteu a legislação do trabalho. Proibir o consumo de produtos chineses, coreanos, tailandeses, italianos, clonados, pirateados, contrabandeados ou importados é impossível, conforme experiências do tempo em que o mercado interno permaneceu fechado. Refrear o crescimento populacional? Não há como, salvo a longo prazo e mediante a implantação de políticas que desconhecemos. Impedir que as empresas demitam ou exigir que contratem são medidas incompatíveis com o sistema democrático, fundado na concorrência e na livre iniciativa, quando sobre o empresário recaem os riscos do negócio. De cada 100 postos de trabalho eliminados, 10% talvez venham a ser recuperados. Nas condições em que se encontra o Brasil, o fim do vendaval não significa, necessariamente, o ressurgir de empregos eliminados. Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho