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Derivativo da China?

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Por Redação
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A economia brasileira depende cada vez mais da parceria comercial com a China e das políticas formuladas em Pequim. Mais que isso: o comércio bilateral segue o velho padrão Norte-Sul, com o lado mais fraco fornecendo matérias-primas em troca de produtos manufaturados. Essa descrição, familiar aos brasileiros atentos à evolução da economia global, já é assunto de comentários e de análises no mercado financeiro. A relação entre os dois países - com referência ao padrão do comércio - foi tema de um relatório do Banco Nomura, de Nova York, ligado a um dos maiores conglomerados financeiros do mundo, com sede no Japão. Também nesta semana, um artigo apresentado no site da Forbes foi aberto com a sugestiva pergunta: é o Brasil um derivativo da China? Preços de derivativos, lembrou o autor, dependem do valor de outro ativo - neste caso, a economia chinesa. Se essa economia fraquejar e seu apetite por matérias-primas diminuir, quais serão as consequências para os brasileiros? A China é hoje a principal fonte de receita comercial para o Brasil. No ano passado, o País ganhou US$ 30,8 bilhões com as vendas ao mercado chinês, 15,2% do valor total das exportações. O comércio com os Estados Unidos, em outros tempos o comprador mais importante, proporcionou US$ 19,5 bilhões, 9,6% do total faturado. A China ficou em segundo lugar como fornecedor do mercado brasileiro, com 14,1% do valor vendido ao País. Os Estados Unidos mantiveram o primeiro lugar, com participação de 15%. Mas a diferença entre o comércio com os Estados Unidos e o intercâmbio com a China vai muito além dos valores totais. A relação com os chineses de fato reproduz o padrão Norte-Sul, embora os dois países sejam classificados como emergentes.A China vende ao Brasil quase exclusivamente produtos manufaturados. Parte das vendas é de peças e componentes para a indústria brasileira. Isso resulta em deslocamento de empresas nacionais, incapazes de competir com produtores chineses favorecidos pelo câmbio desvalorizado e por mecanismos obscuros de formação de preços. Em contrapartida, as vendas brasileiras à China são, predominantemente, de produtos básicos. Em 2010, apenas 4,5% das exportações brasileiras para o mercado chinês corresponderam a bens manufaturados. Somados os bens intermediários, o total chegou a 16,3%. O comércio com os Estados Unidos é muito mais diversificado. No ano passado, 51,6% das exportações brasileiras para o mercado americano foram de produtos manufaturados. Com os bens intermediários, o total dos industrializados alcançou 68,1%. O intercâmbio do Brasil com a maior e mais desenvolvida economia do mundo há muito tempo deixou de ser regido pelo tradicional padrão de bens primários em troca de bens manufaturados. A relação Norte-Sul, de estilo quase colonial, ocorre no comércio com a China, país emergente escolhido como "parceiro estratégico". Também o comércio com a União Europeia é mais equilibrado quanto à composição. Em 2010, as vendas de manufaturados ao mercado europeu equivaleram a 35,7% das exportações brasileiras para o bloco. A parcela de industrializados (com inclusão dos semielaborados) chegou a 40,6%. A União Europeia absorveu 21,4% das vendas brasileiras. A participação da América Latina e do Caribe foi maior - 23,8%, também com alta proporção de manufaturados (78,4%) e industrializados (82,1%). A diversificação de mercados, uma tendência tradicional do comércio brasileiro, é uma boa política. A ampliação do comércio com a China e com outros parceiros do Oriente foi um desdobramento dessa política. Mas esse acerto foi acompanhado de um erro grave: a partir de 2003, o governo desperdiçou as possibilidades de acordos com os Estados Unidos e com a Europa - no primeiro caso, por miopia ideológica. Isso deixou espaço à China e a outras economias empenhadas em conquistar mercados por todos os meios. Com isso, o Brasil se tornou mais dependente - e de forma perigosa - da política de Pequim, da prosperidade chinesa e dos preços das commodities. Todos esses fatores estão fora do controle dos brasileiros.