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Desacordo em Genebra

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Por Redação
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Há varias versões, não necessariamente contraditórias, sobre o desfecho, sábado, da mais promissora rodada de negociações entre o Irã e os países-membros do Conselho de Segurança da ONU, além da Alemanha (o chamado grupo dos 5+1), acerca do programa nuclear de Teerã. Com a presença dos respectivos chanceleres no seu terceiro dia, a reunião de Genebra foi considerada a primeira do gênero com efetivas chances de dar certo. A iniciativa partiu do novo presidente iraniano, o moderado Hassan Rohani, no marco da sua apregoada intenção de distender as relações entre a República Islâmica e o Ocidente, para livrá-la das asfixiantes sanções econômicas que lhe foram impostas por transgredir as normas internacionais sobre atividades nucleares pacíficas. Pelas primeiras informações, a conferência teria terminado sem acordo devido à insistência de última hora da França em incluir, entre as condições para a continuação dos entendimentos, a interrupção das obras do reator de Arak, capaz de produzir plutônio, matéria-prima para a bomba atômica. O representante iraniano, Mohammad Javad Zarif, que vinha incentivando a imprensa ocidental a prever um acerto iminente - para pressionar tanto os seus interlocutores como a linha-dura de seu país -, refutou a exigência evidentemente inaceitável para Teerã nessa fase das conversações. Seria o cúmulo da ingenuidade imaginar que a França não contasse com isso. Outra versão, posta a circular pelo Departamento de Estado americano, teria que ver com divergências em torno de poucas, porém cruciais, palavras do texto em discussão.Para os iranianos, o documento teria de consignar o seu "direito" de enriquecer urânio. Segundo um diplomata americano, os Estados Unidos não acreditam que o Irã tenha um "direito inerente" a purificar o produto. É óbvio que tem, como qualquer outro país signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP), membro, portanto, da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o braço das Nações Unidas para o setor. O problema é o alcance do processo - para geração de energia bastam 3,5%; a bomba requer 90% - e a aceitação de que seja aberto às inspeções da agência. Os iranianos enriquecem urânio a 20%, alegadamente para um reator de pesquisas médicas, e há anos escondem parte dessa atividade.Para resolver esse tipo de pendência é que existem os diplomatas. Querendo, bastaria ao Ocidente admitir o pleito iraniano, acrescentando-lhe, explicitamente, as salvaguardas já previstas no TNP. Mas, para tanto - o que leva à terceira a versão para o impasse -, os governos ocidentais teriam de ser menos permeáveis às pressões de Israel contra qualquer entendimento com o Irã que não parta da premissa de que o país persa deva ser proibido de ter um programa nuclear. Na véspera da reunião de Genebra, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu disse que seria um "erro histórico" permitir que o Irã continuasse a enriquecer urânio e abrandar as sanções. Um acordo nessa linha, segundo ele, seria o "negócio do século" para Teerã.A oposição israelense a Genebra há de ter sido de tal ordem que o próprio secretário de Estado americano, John Kerry, em um assomo de irritação, disse que "não somos cegos nem burros" para ignorar os interesses de Israel e de outros países da região. (De forma menos estridente, também a Arábia Saudita critica os EUA por negociar com o Irã.) Para o presidente Obama, no entanto, não há outra alternativa: sem um acordo, a teocracia iraniana adotará uma economia de guerra para suportar as sanções e continuará a enriquecer urânio a 20% até o limite de sua capacidade. Qualquer ato de força não apenas não afetará substancialmente o programa, como ainda alinhará com o governo mesmo os setores mais liberais da sociedade iraniana.Sinal de que a Casa Branca quer continuar conversando com Teerã, Kerry disse que "estamos mais próximos agora, ao deixar Genebra, do que ao chegarmos". Zarif, o enviado iraniano, retribuiu: "Estamos todos sintonizados, o que nos estimula a avançar quando nos encontrarmos de novo". Representantes do grupo dos 5+1 e os iranianos voltarão a se encontrar em 10 dias - mas dessa vez sem os chanceleres.