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Desalento, sinal de alerta

Empresários e trabalhadores começam a mostrar-se mais inseguros, diante de um cenário sem sinais de melhora a curto prazo

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Por Redação
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Soa mais um sinal de alerta, e o presidente Michel Temer deveria levá-lo muito a sério. A confiança trazida pelo processo de impeachment e pela posse de um governo comprometido, oficialmente, com a recuperação da economia nacional diminui de forma perigosa. Empresários e trabalhadores começam a mostrar-se mais inseguros, diante de um cenário sem sinais de melhora a curto prazo. A menos de um mês do Natal, o mercado de emprego continua travado, sem efeito visível das contratações, mesmo temporárias, características do fim de ano. O desemprego continuou em 11,8% da força de trabalho no trimestre encerrado em outubro, mesma taxa estimada para os períodos de junho a agosto e de julho a setembro. Há 12 milhões de desocupados, cerca de 3 milhões a mais que os de um ano antes. O desemprego, dirão os otimistas, pelo menos se mantém, contrariando as previsões. A avaliação é errada, porque o quadro piorou, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O desemprego só se mantém – sem aumento – porque tem crescido a população de inativos, isto é, de indivíduos fora da força de trabalho. Em relação ao trimestre encerrado em setembro, houve um acréscimo de 85 mil no contingente de inativos, de 64,642 milhões para 64,727 milhões. Se a base de comparação for o período de maio a julho, a variação encontrada será de 669 mil pessoas. Embora em idade de trabalho, esse contingente se absteve de buscar emprego, ficando fora da estatística dos desempregados.

Esse comportamento é especialmente notável porque a partir de agosto/setembro o mercado deveria, pelos padrões normais, ganhar animação com as contratações para o fim de ano – inicialmente para a produção, depois também para o comércio. Segundo o coordenador das pesquisas de trabalho e rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, houve uma “desconfiguração da sazonalidade”. Em outras palavras, o padrão foi rompido.

Essa “desconfiguração” pode ter surpreendido, mas sua explicação parece razoavelmente simples. O técnico do IBGE aponta um provável desestímulo, diante de um cenário de crise ainda sem sinais de mudança. Costuma-se usar a palavra “desalento”, em relatórios sobre desemprego, para indicar a renúncia à busca de vagas no mercado de trabalho. Quando o desalento se espalha, o porcentual de desempregados pode até diminuir, por um efeito aritmético tão simples quanto enganador.

Neste caso, o aumento do desânimo ocorreu numa fase marcada, em tempos mais ou menos normais, pela expansão da oferta de oportunidades. Isso pode ter implicações importantes para a condução da política econômica, muito dependente da confiança na ação do governo. Quanto maior a confiança, mais pronta a retomada do investimento, do emprego e do consumo – e mais fácil, pelo aumento da receita, a arrumação das contas públicas.

Mas a sucessão dos dados econômicos, no dia a dia, pouco favorece a melhora do humor de empresários, consumidores e trabalhadores. O Indicador do Nível de Atividade (INA) da indústria paulista recuou mais 0,9% de setembro para outubro e 9,6% em 12 meses. Agora, economistas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) projetam retração de 9% neste ano, seguida de crescimento de apenas 1,2% em 2017. Até uma novidade aparentemente positiva, divulgada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), pode ser enganadora. A parcela de famílias endividadas passou de 57,7% em outubro para 57,3% em novembro. A de famílias com dívidas em atraso diminuiu de 23,8% para 23,4%. Mas isso pode ser explicado, segundo o economista Bruno Fernandes, da CNC, pelas dificuldades de crédito, pela perda de renda e, portanto, pela necessidade de contenção do consumo. Isso combina, obviamente, com a piora do quadro do emprego e reforça as incertezas quanto à virada. São mais motivos para o governo se aprumar e concentrar forças nos principais desafios.