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Desleixo inaceitável

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Por Redação
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A expansão e a modernização da malha ferroviária, uma das mais urgentes demandas na área de infraestrutura, deveriam ser tratadas com maior rigor técnico pelo governo. Recente auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) mostra um desleixo inaceitável por parte dos responsáveis por esse setor. De nada servem grandes promessas e projetos ambiciosos se estes não estiverem amparados em detalhados organogramas e estudos de viabilidade, que não apenas evitam o desperdício de dinheiro público, como também tornam o trabalho mais eficiente. O TCU auditou uma parte do programa de ferrovias que integra o Programa de Investimentos em Logística (PIL), lançado em 2012. Dos R$ 133 bilhões previstos para o PIL, R$ 91 bilhões seriam destinados às ferrovias, o que dá a dimensão da importância que o governo, ao menos em tese, confere ao tema. Uma projeção do Ministério dos Transportes prevê que, em 2031, as estradas de ferro representem 43% da malha de transportes do País, ante os atuais 30%, superando o meio rodoviário, cuja participação cairá dos atuais 52% para 38%, segundo a projeção oficial. É algo por que o setor produtivo há muito anseia, para dar mais eficiência ao transporte de cargas e reduzir custos. No entanto, a julgar pelo que constatou o TCU, o País terá de esperar pelos benefícios deste impulso, pois o governo deixou de cumprir exigências necessárias para o programa ser considerado crível por investidores. O nível de descuido fica evidente quando os auditores escrevem que “não há registro das principais decisões relativas” ao plano. “Os fundamentos técnicos e discussões que subsidiaram alguns dos processos decisórios mais relevantes do programa não foram explicitados em registros, estudos técnicos, pareceres, atas de reuniões ou quaisquer outros instrumentos formais”, afirma o documento do TCU. Não é possível saber o que norteou a escolha do modelo de operação, dos trechos a serem concedidos em leilão e da estratégia tarifária que faz o Estado, por meio da Valec, assumir todo o risco de demanda. Também não é possível saber quais são as atribuições de cada órgão estatal envolvido. Todas essas informações são essenciais, diz o TCU, para que “metas, objetivos e prioridades estejam disponíveis claramente para os gestores envolvidos na rede da política pública”, do que resulta “menor gasto de recursos, tempo e energia na formação de consensos sobre os elementos fundamentais”. Além disso, esse grau de informalidade do programa pode acarretar insegurança jurídica, que dificulta a obtenção de recursos e afasta investidores. Os técnicos do TCU descobriram que os gestores combinam informalmente as tarefas entre si, pois não há uma matriz de responsabilidades. Sem o registro dos procedimentos e competências, o processo decisório fica comprometido, já que não há garantia de que o funcionário que detém o conhecimento permanecerá no cargo o tempo necessário para a conclusão do projeto. Tal instabilidade, num programa tão custoso e complexo, é receita certa para o fracasso – além de possibilitar toda sorte de desvios. O programa de ferrovias também não explicita suas metas específicas, dificultando a aferição da eficiência dos trabalhos. Há apenas dois parâmetros: quilômetros de ferrovias concedidas e valor privado realizado. Não é possível saber, por exemplo, qual a redução de custos que se pretende atingir nem que nível de eficiência é almejado. Como diz o TCU, “o estabelecimento de prioridades, objetivos e metas a serem alcançados constitui a espinha dorsal de uma política pública”. Questionado, o Ministério dos Transportes confirmou que não há mesmo nenhum documento formalizando as decisões – tomadas, segundo a pasta, depois de “ampla discussão no âmbito governamental”. O Ministério reconhece que esses protocolos são importantes, mas, em sua resposta ao TCU, diz que “por vezes a dinâmica do processo é tal, que registros são olvidados no afã de entregar resultados para a sociedade”. Eis aí, finalmente, a cristalina confissão de um governo cuja marca é o improviso e a incompetência.