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Destrancando a pauta

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Por Redação
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Numa interpretação criativa da Constituição, eventualmente sujeita à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Câmara, Michel Temer, anunciou a primeira providência substancial já tomada no Congresso para tornar mais leve o jugo das medidas provisórias (MPs) - o principal instrumento de controle da agenda legislativa nacional de que desfruta o Poder Executivo. Os governos, como se sabe, usam e abusam das MPs, concebidas originalmente para produzir efeitos imediatos apenas em casos de relevância e urgência, depois da extinção dos decretos-leis do regime militar. No começo, elas poderiam ser reeditadas à vontade se não fossem aprovadas em 120 dias. Hoje, nessa hipótese, perdem a validade. Para minimizar esse risco, em 2001 estabeleceu-se por emenda constitucional que, se uma medida provisória não for votada em 45 dias, a Casa em que ela estiver tramitando não poderá apreciar nenhum outro projeto - o chamado trancamento da pauta. Com isso, a capacidade do Congresso de legislar com autonomia ficou reduzida a pouco mais do que um simulacro. A saída engenhosa a que chegou o presidente da Mesa da Câmara - acertada com o seu colega do Senado, José Sarney, o ministro da Defesa, Nelson Jobim (ex-parlamentar e ex-ministro do Supremo), e o advogado-geral da União, José Antonio Toffoli - foi a de limitar o travamento a projetos de lei ordinária, sob o argumento de que as medidas provisórias só a esses se equiparam. Desse modo, uma MP que não tivesse sido votada no prazo de 45 dias não impediria que a Câmara, ou o Senado, convocasse sessões extraordinárias para apreciar, por exemplo, propostas de emendas constitucionais, leis complementares, decretos legislativos e resoluções (que tratam de assuntos internos do Congresso). Ou até mesmo projetos de lei ordinária, quando se referirem a temas que, pela Constituição, não podem ser objeto de medida provisória. A surpreendente inovação é polêmica. Não está claro, em primeiro lugar, se é juridicamente sustentável a heterodoxa interpretação dada por Temer e os seus interlocutores às passagens da Carta que cobrem a questão das medidas provisórias e, em especial, a amplitude do bloqueio das decisões parlamentares depois do prazo-limite de 45 dias. A emenda que o instituiu é taxativa ao estipular que, a partir daí, ficam "sobrestadas, até que se ultime a votação (da medida provisória), todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando". Os possíveis efeitos políticos da mudança são também controvertidos. Tanto assim que, no primeiro momento, a oposição se dividiu a respeito, com deputados do PSDB elogiando e do DEM criticando a sacada de Temer - ou, como ele prefere, a sua "interpretação sistêmica" do texto constitucional. Na base governista, as reações foram de cautela, mas não houve quem falasse abertamente contra a iniciativa. Na realidade, há perdas e ganhos presumíveis de parte a parte. Para o bloco oposicionista, o destravamento (parcial) da pauta de votações reduz o alcance de um recurso clássico das minorias parlamentares - o de obstruir os trabalhos para azucrinar a vida do governo. Pelas regras atuais, quando consegue retardar para além dos fatídicos 45 dias a votação de uma medida provisória, a oposição também barra automaticamente a passagem de outros projetos comuns de eventual interesse do governo, o que, sabem bem os políticos, aumenta o seu poder de barganha. Em suma, um incentivo à negociação em torno de pontos da medida provisória obstruída. Mas é inegável que as regras defendidas pelo presidente da Câmara, se vierem a ser adotadas, reduzirão a margem de arbítrio do governo, diminuindo, ao menos, o acentuado desequilíbrio entre o Planalto e o Congresso. "Desejo que o Legislativo faça a pauta do Legislativo", diz Temer. De todo modo, é certo que a alteração não foi arquitetada à revelia do presidente Lula. Na reunião que a aprovou, estava presente, além do advogado-geral da União, o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, que faz a ponte do governo com os políticos. Segundo uma versão, viriam em seguida a delimitação dos temas passíveis de serem tratados por medidas provisórias e o restabelecimento da prerrogativa presidencial de baixar decretos sobre questões administrativas.