22 de janeiro de 2016 | 02h55
Vender menos parece ter se tornado o menor dos males do mercado brasileiro. A combinação de incerteza política, queda brutal de investimentos públicos e privados, aumento rápido do desemprego, redução acentuada da renda média da população e aceleração da inflação num momento em que operava com preços muito altos resultou numa crise de extensão poucas vezes observada no setor imobiliário.
Por causa dos problemas que a economia brasileira enfrenta, muitos compradores não estão conseguindo arcar com os compromissos financeiros que assumiram no momento da compra da casa própria e, por isso, procuram as empresas para desfazer o negócio antes de receber as chaves. Até esse momento, o negócio não envolveu financiamento bancário, que só é concedido após o recebimento do imóvel pelo comprador. Temendo que, por causa das mudanças no cenário econômico, não conseguirá obter o crédito ou não disporá dos recursos necessários para concluir a compra, ele desiste do negócio.
Há um índice de “distratos”, como essas operações são chamadas no mercado, considerado tolerável pelo setor, de cerca de 10% dos negócios concluídos. Quando o mercado opera em condições normais, esses são casos considerados excepcionais, por meio dos quais os compradores que pretendem se desfazer do imóvel conseguem repassá-lo por valores maiores do que desembolsaram.
Não é o que ocorre hoje. O distrato tornou-se uma operação em que ninguém ganha. Com a retração das vendas, o preço que o comprador aceitou pagar no momento da conclusão do negócio é maior do que ele pode conseguir se repassar o imóvel. Tenta, então, fazer o distrato – tenta devolver o sonho da casa própria.
Em alguns casos, as condições em que a empresa aceita o imóvel de volta implicam perdas expressivas para o comprador. Num exemplo mostrado na reportagem citada, a um comprador que pagou R$ 200 mil ao longo de três anos foi oferecida a devolução de R$ 40 mil, quantia que sobraria depois de descontadas as taxas de corretagem e de comercialização e as despesas administrativas. O comprador recorreu à Justiça.
É um procedimento cada vez mais frequente. No ano passado, das 725 ações movidas por um escritório de advocacia especializado em questões imobiliárias, 73% eram referentes a distratos; em 2014, eram 43%. Obviamente, cada parte recorre à legislação que mais a protege. As empresas se valem da Lei da Incorporação, segundo a qual o contrato de compra e venda do imóvel é “irrevogável e irretratável”. O comprador recorre ao Código de Defesa do Consumidor, na parte que trata de cláusulas abusivas que colocam o cliente em desvantagem.
Com o aumento de 46% no número de distratos no terceiro trimestre do ano passado, na comparação com igual período de 2014, uma empresa do setor viu seu faturamento cair mais de 50% em 2015. É possível que, em 2016, a proporção de imóveis devolvidos diminua para 35 em 100. Mas a quebra de receita continuará alta, de cerca de R$ 6 bilhões entre as principais empresas do setor.
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