
17 de março de 2013 | 02h05
Na lógica da interação imprensa/universidade, no correr dos anos fui colaborando com artigos para a imprensa escrita - atividade que passou a ter maior frequência quando o processo de redemocratização foi abrindo espaço para a liberdade de manifestação do pensamento.
Em abril de 2003, a convite de Ruy Mesquita, comecei a escrever para este Espaço Aberto um artigo para cada terceiro domingo do mês. Esta colaboração regular passou a ter a cadência do tempo da periodicidade, inerente à vida de um jornal, que é um tempo próprio, distinto de outros da minha experiência prévia de professor, jurista, homem público e diplomata. Incorporar este novo tempo nos artigos passou a ser o meu desafio, acompanhado da exigência de expor com clareza os temas tratados num espaço circunscrito de palavras. Aceitei, com gosto, esse desafio, pois era a oportunidade para, ao deixar a chefia do Itamaraty no término da esclarecida Presidência Fernando Henrique Cardoso, exercer com regularidade o papel de um "observador engajado" na vida nacional e internacional, para recorrer a uma formulação de Raymond Aron - que foi, ao mesmo tempo, um grande universitário e um grande jornalista.
Aproveitei o tempo de quarentena entre o convite para colaborar e o início da colaboração para pensar o desafio. Naturalmente, tive em mente que a abrangente cobertura da vida internacional sempre foi uma nota identificadora de O Estado de S. Paulo. Também levei em conta que Notas e Informações, da página A3, na tradição de Julio de Mesquita Filho, além de expor com qualidade e precisão nos editoriais a opinião do jornal sobre a conjuntura, foi e continua sendo um espaço para um jornalismo de ideias voltado, numa linhagem liberal, para o aperfeiçoamento das instituições brasileiras, instigado por um kantiano "exercício público da razão".
A isso se somaram naturalmente as características próprias da página A2. Esta é uma página de opinião cujo modelo para a imprensa brasileira provém do New York Times, que a introduziu em 1970, visando a estimular novas leituras e discussões sobre problemas de interesse público. Usualmente, como no caso do Espaço Aberto, criado em 1988, ela se situa em página contígua à dos editoriais. Contém artigos assinados e representa, na diversidade dos seus colaboradores, regulares ou ocasionais, distintas perspectivas sobre temas relevantes da agenda da opinião pública. Tem algo do espaço público da palavra, de que falava Hannah Arendt, que a democracia enseja. No caso específico do Estado, representa um alargamento pluralista do cotidiano do "exercício público da razão". Está alinhado com o ideal de oferecer ao leitor mais elementos para o entendimento dos eventos e das circunstâncias. Contribui, assim, para o papel do jornalismo responsável no ajudar o manuseio e a seleção do imenso e desordenado fluxo de informações que a internet vem multiplicando exponencialmente, num ambiente também permeado pelo sectarismo de múltiplas redes sociais.
Ao iniciar minha colaboração regular adaptei para uso próprio o ensinamento do padre Antonio Vieira no Sermão da Sexagésima, que dizia que para pregar, no meu caso, escrever, é preciso usar o seu, e não o alheio, esclarecendo o argumento com uma referência ao Velho Testamento: as armas de Saul só servem a Saul e as de Davi, a Davi.
Assim, parti do pressuposto de que o comentário no calor da hora sobre os eventos é feito com mais competência por qualificados profissionais da imprensa. Por isso, o que me caberia fazer, para agregar algo à página A2, seria mensalmente discutir os assuntos com as "armas" de um professor, ou seja, sem perder contato com a pauta da realidade, inserir os temas num quadro mais geral, valendo-me da multidisciplinaridade das minhas áreas de conhecimento e levando em conta o saber crítico da experiência proveniente do exercício de funções públicas.
Ao repassar as dezenas de artigos que escrevi nestes dez anos com o propósito de ser um "observador engajado", verifico que não são textos de uma nota só. São a expressão de uma visão pluralista da realidade. Partem do pressuposto de que o julgar e o apreciar de um intelectual público devem caracterizar-se pela inquietação da pesquisa, pela vontade do diálogo, pelo espírito crítico e pelo sentido de complexidade das coisas, para ecoar lição de Bobbio.
Um número majoritário de artigos abordou temas da vida internacional e discutiu os rumos da diplomacia brasileira nestes dez anos de gestão do PT. Um número expressivo lidou com a conjuntura política nacional e seus problemas nesse mesmo arco de tempo. Muitos se ocuparam de assuntos da atualidade jurídica e dos direitos humanos. Outros tantos traçaram perfis de personalidades políticas e do mundo da cultura e suas lições para os dias de hoje. Alguns foram variações, de inspiração filosófica, sobre o mundo da vida e há os que, como desdobramento das minhas responsabilidades de presidente da Fapesp, foram dedicados a realçar a importância, para os destinos do Brasil, da pesquisa científica.
A função do Espaço Aberto é servir aos seus leitores no entendimento das coisas e seus contextos. A eles cabe avaliar se, no correr destes dez anos, meus artigos atenderam a esse propósito.
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