Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Dilma e a ''contabilidade criativa''

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

A presidente eleita, Dilma Rousseff, decidiu manter o ministro da Fazenda, Guido Mantega, recomendado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela pode ter levado em conta, além da recomendação, o "desenvolvimentismo" de Mantega, sua experiência de mais de quatro anos no posto ou sua disposição de acomodar a política fiscal às conveniências político-eleitorais de cada momento. Pode ter considerado, também, sua vocação para a "contabilidade criativa", confirmada amplamente neste ano, quando gastos e operações de endividamento foram convertidos em receita para engordar as contas federais. A obra-prima, nesse campo, foi a conversão do aporte de capital à Petrobrás - R$ 74,8 bilhões - numa receita de R$ 31,9 bilhões para o Tesouro.Como a presidente eleita ainda não explicou por que decidiu manter o ministro, não há como avaliar a seriedade e a extensão da agenda prevista para o Ministério da Fazenda. A pauta inclui, como um de seus pontos mais importantes, a redução da dívida líquida do setor público, até 2014, de cerca de 41% (dado de setembro) para 30% do Produto Interno Bruto (PIB). Isso será possível, segundo cálculos do Ministério, se a economia crescer 5% ao ano e for mantido um superávit primário de 3,3% do PIB. Mas a própria agenda ainda não é clara, pelo menos para quem está fora do governo. Afinal, a noção de dívida líquida tem servido para disfarçar desmandos da política orçamentária. Quando, por exemplo, o governo transfere dinheiro a bancos estatais para empréstimos a empresas, emite papéis e aumenta a dívida bruta, mas não necessariamente a dívida líquida, porque um crédito é inscrito simultaneamente nas contas. Mas a qualidade do crédito é incerta, especialmente por causa do critério de aplicação. O dinheiro talvez nunca volte ao Tesouro, mas a dívida bruta continuará e essa os credores não perdoarão. Os objetivos ficariam muito mais claros para os mercados e para os cidadãos em geral, se o objetivo fosse limitar ou reduzir a proporção entre a dívida bruta e o PIB, hoje próxima de 60%. Essa é a referência usada na maior parte dos demais países. Mas a presidente eleita ainda não expôs com clareza a maior parte de sua estratégia. Tem falado sobre suas boas intenções, como elevar o salário mínimo, ampliar o Programa Bolsa-Família, eliminar a miséria e ao mesmo tempo aumentar o investimento público e realizar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Falta dizer como administrará as finanças públicas para cumprir essas promessas e garantir fundamentos sólidos para a economia. A mera continuação dos padrões observados no atual governo será insuficiente. Na quinta revisão bimestral da execução orçamentária, o Ministério do Planejamento recomendou a ampliação de R$ 10 bilhões nos limites de empenho e movimentação de créditos extraordinários e a liberação de R$ 8,6 bilhões para despesas discricionárias. A ampliação de gastos foi possibilitada pela receita resultante da capitalização da Petrobrás, uma das mágicas contábeis. Se o novo governo mantiver esse padrão, qualquer relatório futuro sobre o ajuste orçamentário será obra de ficção.Por todos esses fatores é difícil, por enquanto, aceitar sem reserva as boas intenções anunciadas nos últimos dias. A decisão de excluir também a Eletrobrás do cálculo do resultado primário das contas públicas é em tese positiva. A Petrobrás já foi excluída. Essas mudanças não apenas dão às empresas maior liberdade para investir, mas também tornam as contas públicas mais claras e conferem maior realismo aos números divulgados.Também positivas, em princípio, são as decisões anunciadas de equilibrar totalmente as contas públicas nos próximos anos e de fixar as metas em termos de resultado nominal e não só primário. O resultado nominal contabiliza todas as despesas e receitas, incluídas as financeiras. Mas falta a presidente eleita explicar em termos mais concretos como pretende administrar as finanças públicas e confirmar se respeitará, de fato, a autonomia do Banco Central. Será preciso somar aos bons compromissos, naturalmente, a renúncia à "contabilidade criativa". Então poderá vencer as desconfianças.