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Dilma vence a primeira

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Por Redação
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A presidente Dilma Rousseff pagou para ver a mão das pressões sindicais sobre a Câmara dos Deputados pela aprovação de um salário mínimo de R$ 560 - e arrastou as fichas todas. Dos 373 parlamentares da base aliada de 17 partidos que votaram a matéria na noite de anteontem (de um total de 388), apenas 16 disseram sim à alternativa contra a qual o governo havia fechado questão na semana passada, declarando inegociável o valor de R$ 545, afinal aprovado. Pior ainda foi o destino da emenda patrocinada pelo PSDB por um piso de R$ 600, conforme a demagógica promessa do seu candidato presidencial José Serra. Nem o Democratas se associou à proposta. Com isso, se os R$ 560 foram rejeitados por 361 votos a 120, os R$ 600 acabaram vencidos por 376 votos a 106. No painel eletrônico, o PMDB roubou a cena. Todos os seus 77 deputados presentes fecharam com o governo. Não se tem lembrança de outra unanimidade do gênero, em votações cruciais para o governo que a sigla apoiasse, nos últimos 16 anos.Mais leal do que o próprio PT, com 10 ausências e 2 votos favoráveis aos R$ 560, numa bancada de 88 membros, o PMDB cobriu-se de credenciais para cobrar os cargos de segundo escalão que reivindica e cujo preenchimento a presidente adiou duas vezes: para depois da eleição do presidente da Casa e para depois da decisão sobre o mínimo. A legenda não atrapalhou a eleição do petista Marco Maia, apoiado pelo Planalto, cumprindo a sua parte no trato pelo qual o sucessor dele, em 2013, será um dos seus. Agora, a coesão absoluta da bancada - não após o partido ter os seus pleitos atendidos, mas na expectativa de tê-los - é uma mensagem mais eloquente do que as tentativas de chantagem costumeiras no presidencialismo de coligação brasileiro. Se algo parecido com isso houve no episódio foi a ameaça plantada na imprensa pelos homens da presidente de que o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, presidente licenciado do PDT, poderia perder a cadeira se a bancada partidária, conduzida pelo deputado Paulo Pereira da Silva, líder da Força Sindical, fechasse questão pelos R$ 560.Seria de fato uma incoerência um partido com assento no Executivo votar contra o que decidiu a sua comandante. Liberados, afinal, para votar como quisessem, os 26 pedetistas na Câmara deram 9 votos para o Planalto. A queda de braço em torno do mínimo, por sinal, abriu uma fissura, ou mais do que isso, na aconchegante relação de 8 anos do poder sindical com o governo. E criou um contencioso na frente única da Força com a CUT, cujo ex-presidente, o deputado Vicentinho, foi espertamente escolhido relator do projeto dos R$ 545. Arrostou com dignidade as vaias das galerias. "Vão se transformar em aplausos", reagiu.Ao aprovar o mínimo estipulado pelo Planalto, a Câmara transformou em decreto legislativo - e o aprovou - a regra no qual se baseou. Até 2015, o piso será automaticamente reajustado pelo índice de inflação do exercício precedente mais a variação do PIB de dois anos antes. Embora a fórmula tivesse sido pactuada entre o governo e as centrais em 2007, os sindicatos queriam sujeitá-la ao fato de o PIB de 2009 ter sido negativo para injetar no novo mínimo uma parte do robusto crescimento da economia do ano passado. Dilma disse não porque a acomodação da regra às pretensões daqueles mesmos que a haviam endossado, logo na sua primeira disputa no Congresso, seria um indício ominoso de falta de espinha. Ainda mais importante foi o imperativo de integrar a política para o salário mínimo ao plano de austeridade que prevê uma tesourada de R$ 50 bilhões nos gastos federais deste ano, sob o eufemismo "consolidação fiscal" (algo como chamar apagão de "interrupção temporária de energia"). O anúncio do ajuste, precipitado pelo atual surto inflacionário, foi recebido com ceticismo: calculou-se que o reequilíbrio das contas públicas dependeria de um aumento extravagante da arrecadação. Se a presidente, ainda por cima, fraquejasse na questão do mínimo, a sua credibilidade desmoronaria antes de estar construída. Em vez disso, ela mostrou que conhece e está disposta a manejar os recursos de poder ao seu alcance. Neste caso, para o bem.