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Dinheiro desviado

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Por Redação
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Com a privatização das telecomunicações no País nos anos 90 do século passado, foi criada uma legislação específica para o setor, com a alocação de recursos para custear a fiscalização e a universalização dos serviços. Para garantir o uso dessas receitas dentro da finalidade desejada, a lei previu que os recursos deveriam ser acumulados em dois fundos – o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) e o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) –, geridos pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sob estritas regras de funcionamento. No entanto, o governo vem usando esse dinheiro em outras áreas, conforme recente auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). Em alguns casos, menos de 5% dos recursos foram utilizados de acordo com a previsão legal.

A finalidade do Fistel é prover recursos para a fiscalização dos serviços de telecomunicações; por exemplo, as despesas da Anatel e os investimentos necessários para executar bem esse serviço de fiscalização, numa área que continuamente passa por avanços tecnológicos e é de fundamental importância para o desenvolvimento do País. Já o Fust tem por objetivo subsidiar os serviços de telecomunicações para as camadas mais pobres da população e para locais onde a exploração dos serviços não é rentável.

Em setembro de 2014, um parecer do TCU reconheceu a possibilidade de uso mais amplo para recursos do Fistel, mas não em relação ao Fust, que deve ser utilizado apenas para bancar iniciativas de ampliação das telecomunicações. No entanto, o tribunal detectou irregularidades no uso dos dois fundos.

Com base em informações do Ministério do Planejamento, o TCU avalia que o Fust arrecadou R$ 16 bilhões entre 2001 e 2015. No entanto, somente R$ 192 mil foram aplicados na universalização dos serviços, o que representa 1,2% do total arrecadado. “Embora as informações apresentadas não permitam identificar todas as ações em que foram empregados os recursos do Fust, pode-se concluir que R$ 10,14 bilhões foram empregados em outros fins que não a universalização dos serviços de telecomunicações”, afirmam os auditores do tribunal.

O TCU também concluiu que o Fistel passou a bancar uma série de contas sem qualquer ligação com o setor. Alguns casos chamaram a atenção dos auditores. A construção de trechos das Ferrovias Norte-Sul e Oeste-Leste, em 2010, empreendimento gerido pela estatal Valec, foi financiada com recursos do fundo. O mesmo ocorreu com a conta da “modernização e revitalização” de aviões da Aeronáutica em 2010, paga pelo Fistel. Houve até pagamento de aposentadorias e pensões de servidores nos anos de 2012, 2013 e 2014 com recursos do fundo. Os números da Fazenda e do Planejamento apontam que, do total de R$ 82,2 bilhões arrecadados pelo Fistel entre 1997 e junho de 2015, apenas R$ 4,09 bilhões, equivalentes a 4,97%, foram aplicados na fiscalização das telecomunicações. Os saques para uso diferente do previsto legalmente totalizaram a quantia de R$ 11,47 bilhões.

Além do uso para outras finalidades, o TCU encontrou discrepâncias entre os valores informados pela Anatel e pela Secretaria do Tesouro Nacional. Segundo a agência reguladora, a arrecadação do Fistel entre 1997 e 2015 foi de R$ 67,2 bilhões. Nas contas do Tesouro, o montante chega a R$ 82,2 bilhões. Com relação ao Fust, a Anatel informa que o total arrecadado entre 2001 e 2015 foi de R$ 19,4 bilhões. Já o Tesouro chegou ao valor de R$ 16 bilhões.

O TCU concedeu prazo de 90 dias para os dois órgãos conciliarem os valores, além de exigir que a Anatel divulgue de forma mais transparente o uso dos recursos. Trata-se de um conta cara que, por lei, os brasileiros e as empresas pagam. Da mesma forma, o uso desse dinheiro deve seguir rigorosamente o que a lei determina. Se está sobrando dinheiro nos fundos, é preciso rever os valores cobrados. E não simplesmente usá-lo para outros fins.