20 de fevereiro de 2016 | 02h55
O Estado patrimonial brasileiro é deveras cego, surdo e mudo. A presidenta Dilma acha que reverterá todas as mazelas que afetam a nossa economia com a criação, pelo Executivo, do Conselhão, aquele simulacro de assembleia cooptada pelo governo que finge “ouvir” as reclamações do setor produtivo. Ora, ora, os empresários que participaram da esdrúxula reunião entraram mudos e saíram calados. E continuarão nessa atitude, haja vista que o governo nunca levou em consideração as demandas do setor produtivo, autista do jeito que é: só se escuta a si próprio. E coopta os setores da sociedade que achar por bem chamar ao “diálogo”. Se fosse para valer a preocupação de Dilma com a economia, a primeira providência teria sido dar início ao controle efetivo do gasto público. Coisa que tem passado longe das preocupações oficiais.
Antes, porém, de passar a listar as medidas que devem ser tomadas para desmontar o Leviatã patrimonialista, faço uma aclaração que me parece justa, neste contexto de descrença generalizada em face dos partidos políticos: em pelo menos três agremiações político-partidárias das atualmente vigentes e situadas na oposição foram apresentadas, ao longo das últimas décadas, propostas que claramente conduziam à superação do Estado-camarão descrito por Lamounier: o PSDB, o DEM e o PPS. Destaco as propostas de reformulação da nossa Federação apresentadas pelo senador Jorge Bornhausen (e retomadas pelo tucano Aécio Neves na campanha presidencial de 2014), bem como as várias iniciativas de autoria do PSDB em face da privatização, que foram endossadas pelo então PFL, ao longo dos governos de Fernando Henrique Cardoso (apenas para lembrar, registro o título do opúsculo A Bem-Sucedida Privatização Brasileira, organizado pelo professor e amigo Antônio Paim, na época assessor da mencionada sigla partidária).
Mas vamos às propostas concretas. Bolívar Lamounier apresentou três, importantíssimas, que enumero a seguir.
1) “Na esfera econômica, há que privatizar tudo o que o setor privado puder assumir de imediato, reduzindo ao mínimo o intervencionismo empresarial do Estado, fortalecendo as agências reguladoras e tratando de assegurar a previsibilidade e a segurança jurídica.”
2) “Na área trabalhista, desmontar o sistema corporativista de inspiração mussoliniana – ‘herança maldita’ da ditadura Vargas –, substituindo a unicidade (artigo 8, II, da Constituição federal de 1988) pelo pluralismo sindical e suprimindo o poder normativo da Justiça do Trabalho.”
3) “No plano político, descentralizar a Federação, com a devida reorganização das receitas e competências; fortalecer as Assembleias estaduais e reduzir correlativamente o tamanho do Congresso Nacional; e reorganizar no mesmo sentido o sistema de representação: relações Executivo x Legislativo moldadas segundo os princípios do parlamentarismo, voto distrital e alguma sobriedade na cômica permissividade da legislação partidária.”
Primeira providência a ser tomada, a meu ver, no terreno da reforma política: fim das alianças de legenda, que se tornaram caminho para a cooptação de congressistas pelo Executivo. No contexto dessa reformulação da Federação entraria a reorganização das instâncias do poder municipal, estadual e federal, acabando com o modelo federativo de três níveis desenhado pela Carta de 1988.
A esse respeito Lamounier observava: “No Brasil – e nem falemos do Brasil da era petista! – tal expectativa carece totalmente de sentido. A discrepância entre a autonomia formal dos Estados e municípios, de um lado, e a dependência financeira real em relação à União, de outro, abastarda a vida política do País, transformando a maioria dos congressistas em ‘despachantes federais’ e fomentando o espetáculo periódico de governadores e prefeitos acorrendo à capital em peregrinações de mendicância. Pereniza uma classe política subserviente, mas ao mesmo tempo propensa a espasmos anarquistas, como a ‘pauta-bomba’ de 2014-2015”.
A seguir, outras propostas que têm circulado entre os críticos do governo:
4) Reforma tributária que restabeleça a segurança jurídica na área de arrecadação de impostos. O primeiro passo seria acabar com o fenômeno dos “impostos em cascata”, que oneram injustamente aos cidadãos. O segundo seria revisar a tabela de contribuições, que hoje pune indistintamente quem trabalha e quem produz.
5) Revalorização dos mecanismos de transparência no controle do gasto público, removendo os obstáculos criados pelos governos petistas para o reto funcionamento do Tribunal de Contas da União e mediante o restabelecimento pleno da Lei de Responsabilidade Fiscal, achincalhada pelas pedaladas fiscais e pela atitude corrupta dos petistas e colaboradores.
* RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ É MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS DA UFJF, PROFESSOR EMÉRITO DA ECEME, DOCENTE DA FACULDADE ARTHUR THOMAS (LONDRINA)/ E-MAIL: RIVE2001@GMAIL.COM
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