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Doar para partidos deve ser direito, não obrigação

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Por José Neumanne
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Embora o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki tenha pedido vista do processo - o que empurrou para 2014 o julgamento do pleito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para proibir doações de pessoas jurídicas a campanhas de políticos e partidos -, quatro ministros anunciaram previamente que votarão a favor. Já deixaram claro que concordam com o relator, Luiz Fux, o presidente, Joaquim Barbosa, e seus colegas Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso. Faltam dois votos para que a decisão seja tomada, apesar da reação indignada das cúpulas e da maioria nas Casas do Congresso, que se posicionam radicalmente contra a proibição.A quem interessa manter a doação legal de empresas a candidatos em campanha para ocupar mandatos populares? De acordo com levantamentos feitos sobre o tema, atualmente 97% das doações legais para partidos têm sido feitas por empresas. O objetivo do pedido da OAB é combater a corrupção, que, como é de conhecimento notório e geral, é uma das pragas a serem combatidas sempre e em todos os aspectos para que a política e a gestão do Estado sejam minimamente decentes no Brasil. É certo que a mera proibição da modalidade não porá fim às práticas ilícitas e imorais na vida e na administração públicas no País. Mas também não há dúvida de que pessoas jurídicas não têm direito a voto e tampouco conseguirão dar uma razão clara e objetiva para financiar o objetivo de um candidato ou de um partido de ascender ao poder. Qualquer que seja o motivo alegado, sempre resvalará por um terreno escuso.A proibição de doações empresariais no exercício da disputa pelo poder político terá como consequência inexorável o barateamento das cada vez mais proibitivas campanhas, feitas a peso de muito dinheiro e pouco pudor. A democracia deve atender primordialmente ao interesse do cidadão e este não será prejudicado se a medida for adotada. Os políticos, sim, terão de gastar menos e só por isso esperneiam.O eleitor comum poderá beneficiar-se da proibição se o STF a adotar e, assim, mostrar que seguirá pela trilha que tomou ao condenar os maiorais dos partidos da aliança governista federal no julgamento do escândalo do mensalão. O que ocorreu desde o ano passado, quando a denúncia da Procuradoria-Geral da República foi aceita pela maioria dos ministros da mais alta Corte da Justiça nacional, foi histórico porque a condenação dos réus que ocuparam postos importantes no governo federal e de direção nos partidos que estão no poder reiterou a igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Não foram julgadas nobres biografias políticas, mas criminosas práticas financeiras.No fundo, o que esteve de fato em debate nas sessões do julgamento foi o privilégio reivindicado pela casta dirigente do Estado brasileiro de ter licença para delinquir, negada ao cidadão comum. Para a massa dos sem mandato, ter contabilidade paralela, ou seja, caixa 2 - amealhar recursos sem origem limpa, não prestar contas ao Fisco e transgredir as regras do uso de capital -, é crime grave. Eliane Tranchesi, da fina-flor da sociedade paulistana, acusada desse tipo de delito, foi processada, julgada e presa sem que nenhum representante do povo tenha encontrado uma só atenuante para defender alguma espécie de liberalidade que a livrasse de dura pena.Isso ocorre em qualquer democracia ou sistema financeiro no mundo. Foi o caso do gângster Al Capone, que ficou livre, leve e solto durante grande parte de sua vida em Chicago, nos Estados Unidos, até ser apanhado num delito fiscal. Foi um deslize de contabilidade em seu Imposto de Renda que levou o facínora, mandante de muitos massacres, a viver seus últimos anos na cadeia. As mãos do chefão não foram algemadas pelo sangue derramado por seus asseclas, mas pela sujeira que juntaram lavando dinheiro do crime.A impunidade ampla, geral e irrestrita, que resulta da cultura do favor e é estimulada pela corrupção generalizada que entorpece o aparelho policial e os trâmites judiciais, beneficiada pela complacência de legisladores e governantes, permitiu que os políticos profissionais tratassem o caixa 2 como lanas caprinas. Basta lembrar que o mais popular e habilidoso deles em todos os tempos em nosso país, Luiz Inácio Lula da Silva, do alto de sua condição de magistrado-mor e profeta, decretou que seu Partido dos Trabalhadores (PT) tinha, sim, direito de dispor de um caixa 2 para financiar campanhas. Se todos os partidos faziam isso, por que ao dele não se permitia? A pergunta, que, de certa forma, pretende justificar tudo para poucos, está no cerne da questão do financiamento das campanhas. O Judiciário tem autoridade para restaurar a lógica ao proibir doações empresariais, mas tem de ser ágil, certeiro e impiedoso para pôr fim à prática indecente do caixa 2 somente pelos partidos.E isso certamente se fará com a adoção de tolerância zero em relação à doação por baixo dos panos das empresas e aos propinodutos que prosperam à sombra da leniência com o caixa 2 dos políticos. Nunca com o financiamento público exclusivo, como pretende o PT, que luta pela falsa solução pelos mesmos motivos que os outros políticos, seus aliados e adversários, escondem ao reagirem de forma virulenta contra quaisquer medidas que sangrem as galinhas de ovos de ouro das campanhas eleitorais.Todo cidadão tem o direito de doar dinheiro ganho honestamente e contabilizado legalmente a igreja, clube ou partido político. Neste caso, para evitar que haja o tão reclamado abuso do poder econômico até com a substituição do caixa de empresas por saldos bancários pessoais, convém fixar um limite justo, com base no salário mínimo. Mas nenhum cidadão deve ter a obrigação de doar para algum partido, igreja ou clube - e é isso que aconteceria se o financiamento público obrigatório fosse adotado.JORNALISTA, POETA E ESCRITOR