15 de junho de 2013 | 02h07
Camões descreve o velho com respeito e atribui-lhe um discurso bem articulado e com argumentos ponderáveis. A multidão está na praia para assistir ao início de mais uma expedição a um mundo quase desconhecido. A cena ganha movimento e vida com o destaque de algumas personagens, a mãe chorosa, a esposa desconsolada ("nosso amor, nosso vão contentamento,/ quereis que com as velas leve o vento?") e, finalmente, a figura de aparência veneranda, "postos em nós os olhos, meneando/ três vezes a cabeça, descontente,/ a voz pausada um pouco alevantando". Não era um tolo nem um letrado, mas um homem "cum saber só de experiências feito".
A peroração do velho ocupa as dez estrofes finais - 80 versos, portanto - do quarto canto do poema. Em nenhum momento ele dá como certo um fim trágico para os navegantes, embora aponte os perigos e lamente "o desprezo da vida". É outro o assunto da maior parte, a mais importante, de sua fala. Ele pergunta, em resumo, se vale a pena o esforço para conquistar mares e terras distantes e cheios de perigos em vez de proteger Portugal dos inimigos vizinhos e de explorar, mesmo com a guerra, as oportunidades mais próximas. "Não tens junto comtigo o Ismaelita/ com quem sempre terás guerras sobejas?" Depois, referindo-se ao infiel: "Não tem cidades mil, terra infinita,/ se terras e riquezas mais desejas?" É um raciocínio estratégico. Não seria mais vantajoso proteger o reino da ameaça próxima e, se fosse o caso de ampliar os domínios portugueses, tentar a conquista das "cidades mil" e da "terra infinita" dos seguidores do Alcorão? Essa alternativa atenderia também a quem desejasse a glória da guerra e da vitória contra um adversário de respeito: "Não he elle por armas esforçado, se queres por victórias ser louvado?".
Em sua versão do episódio, a presidente Dilma Rousseff menciona a fala do velho sobre a motivação da vã glória. Mas passa longe, mais uma vez, do significado da peroração. As primeiras palavras têm um tom moralista. "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça desta vaidade a que chamamos fama! (...) Que mortes, que perigos, que tormentas/ que crueldades neles exp'rimentas!" Mas o discurso logo incorpora outras preocupações: "Dura inquietação da alma e da vida,/ fonte de desemparos e adultérios,/ sagaz consumidora conhecida/ de fazendas, de reinos e de impérios! (...) Chamam-te fama e glória soberana,/ nomes com que se o povo néscio engana".
Em linguagem menos poética: fama e glória têm custos e esses custos podem ser - e são com frequência - muito elevados. Os versos mencionam "fazendas" (patrimônio), "reinos e impérios". Adiante, a argumentação é ampliada, com a referência ao perigo dos ismaelitas e às possibilidades de conquistas em áreas mais próximas. Ao discutir a aventura em mares e reinos longínquos, o velho confronta a iniciativa mais ambiciosa e arriscada com uma política alternativa, mais prudente em sua opinião. Não se trata de mero pessimismo ou de mania de ser do contra. Sem forçar a interpretação, pode-se descrever o discurso do velho como um exercício no campo das decisões estratégicas e da alocação de recursos. Com um saber derivado só da experiência, ele demonstra, no entanto, uma capacidade respeitável de refletir sobre os interesses do reino e sobre a necessidade de cálculo e de prudência. De nenhum modo Camões despreza esse tipo de sabedoria. No primeiro verso do canto quinto, a figura da praia ainda é lembrada como um "velho honrado".
Não há resposta direta ao discurso de advertência. A resposta indireta é o poema todo, como celebração da audácia e da glória dos navegadores, sintetizada na proeza de Vasco da Gama, e da grandeza de Portugal. Talvez os defensores da grande aventura marítima tivessem razão naquele momento. No longo prazo, no entanto, a história parece ter realçado a sabedoria do velho.
No mínimo, teria sido prudente conciliar a ousadia dos descobrimentos e da conquista dos mares com a modernização e o fortalecimento econômico do próprio reino. A Inglaterra, núcleo da revolução industrial no século 18, continuou sendo a grande potência europeia depois de perder as 13 colônias americanas.
Portugal perdeu o brilho muito antes da independência de suas últimas colônias na África. De certa forma, a história econômica portuguesa recomeçou com o ingresso na União Europeia e com o empuxo dos investimentos financiados pelo bloco.
No Brasil, a prudência do Velho do Restelo teria recomendado a combinação, há muito tempo, de rigor fiscal, metas de inflação mais baixas, modernização institucional e maior atenção à produtividade. Até a crise, o governo petista preferiu ver o País subir com a maré da prosperidade global. Depois, limitou-se a remendos e continuou dedicado a objetivos eleitorais. Mas política séria daria trabalho. Como escreveu outro poeta, o italiano Cesare Pavese, "lavorare stanca".
*Jornalista
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