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Dupla remuneração

Trata-se de uma burla das normas da administração pública que sucessivos governos vêm tolerando para atender a demandas do funcionalismo

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Por Redação
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Sem saber, o contribuinte paga um adicional, que pode chegar a 100% do vencimento básico, para que o funcionalismo público federal preste os serviços pelos quais já é remunerado – no caso de algumas carreiras, muito bem remunerado. O que no início se destinava exclusivamente à remuneração pela prestação de serviços em condições excepcionais e de caráter temporário ou era pago como adicional por produtividade ou por outro critério de avaliação de desempenho virou pagamento normal dos servidores públicos federais. Trata-se de uma burla das normas da administração pública que sucessivos governos vêm tolerando para atender a demandas do funcionalismo. É uma prática danosa para os contribuintes e para o equilíbrio das contas públicas. No ano passado, o governo gastou R$ 23,2 bilhões em pagamento de diversas formas de bônus aos servidores federais. A medida está disseminada pelo serviço público federal. O pagamento beneficiou cerca de 500 mil funcionários ativos do Poder Executivo (quase 80% do total de 633 mil servidores) e também inativos aos quais foram estendidos os benefícios. Esse valor resultou de levantamento feito pelo Ministério do Planejamento a pedido do Estadão/Broadcast e foi divulgado recentemente pelo Estado. As normas que regem a administração pública são claras ao estabelecer que gratificações são pagamentos de natureza transitória que não se incorporam automaticamente ao vencimento do servidor. Bônus de produtividade ou desempenho, como o nome diz, estão condicionados ao cumprimento de metas ou índices, ou seja, não fazem parte do vencimento básico. Mas, como não se aferem as condições de prestação de serviços extraordinários e de natureza temporária nem, na maioria dos casos, os índices relativos a produtividade ou a desempenho, essa forma de pagamento acabou sendo incorporada aos vencimentos normais dos servidores, que, assim, acabam recebendo um prêmio por serviços pelos quais já são remunerados. Em tese, o valor da gratificação varia de acordo com o órgão público; 80% do benefício se deve ao cumprimento pelo órgão de metas coletivas de desempenho e 20% correspondem a desempenho individual. Mas diversas categorias de servidores, em especial as administrativas e as que exigem curso superior, recebem gratificações ou bônus de desempenho mesmo que seu trabalho não tenha sido submetido a nenhuma forma de avaliação. O benefício é pago desde 2002 também a cerca de 300 mil funcionários administrativos dos Ministérios que compõem o chamado “carreirão”. Quando passou a pagar indistintamente os benefícios aos servidores ativos, o governo o fez como adicional que não seria incorporado à aposentadoria. Mas, para evitar uma batalha na Justiça, em 2012 o governo concordou em acrescentar à aposentadoria a média do valor pago como gratificação nos cinco últimos anos de atividade do servidor. No caso dos aposentados, o desrespeito ao critério de adicional por desempenho, produtividade ou prestação de serviço excepcional de natureza temporária é muito mais clamoroso do que no caso dos funcionários ativos que recebem indistintamente as gratificações. Um caso vem merecendo atenção do governo no momento, o dos auditores fiscais da Receita Federal e do Trabalho. No ano passado, essa carreira foi beneficiada com pagamento adicional de R$ 1,34 bilhão a título de bônus de eficiência. O total pago em 2017 corresponde a bônus de eficiência equivalente a R$ 3 mil por mês. Mesmo recebendo salário inicial de R$ 20.123,54, no entanto, os auditores acham que isso é muito pouco. O governo pretende aumentar o benefício para R$ 4,5 mil, mas os auditores querem R$ 7 mil. No limite dos vencimentos, um auditor poderá ter o salário aumentado para o teto constitucional, que é de R$ 33,7 mil. Se não obtiverem o que querem, os auditores ameaçam entrar em greve, o que poderá prejudicar a arrecadação e o programa de ajuste fiscal do governo. O valor final do benefício aos auditores depende de regulamentação da lei que o criou em 2016.