Imagem ex-librisOpinião do Estadão

E os lixões continuam

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Por Redação
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A falta de respeito aos prazos fixados pela lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em especial o referente ao fim dos lixões a céu aberto, que venceu no dia 2, vem confirmar, mais uma vez, que os governantes continuam apegados a um dos seus piores vícios - neste caso, os grandes vilões são os prefeitos -, o de tratar com desdém tudo que não lhes garante retorno eleitoral. O interesse público vem - quando vem - sempre depois.Todos os municípios deveriam ter desativado os seus lixões até aquela data. Mas, de acordo com levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), metade das cidades de até 300 mil habitantes não o fez. Ou seja, continuam a jogar os resíduos nos lixões. E mais de mil das 2,4 mil cidades consultadas nem mesmo chegaram a elaborar o Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, indispensável para a obtenção de verba federal para a execução da obra.Em locais sem proteção adequada, o chorume, líquido tóxico resultado da decomposição do lixo, penetra no solo e contamina o lençol freático. Os gases resultantes da decomposição do material orgânico correm o risco de explodir e também contribuem para o efeito estufa. Sem falar que, a céu aberto, o lixo atrai animais e insetos transmissores de doenças, o que transforma os lixões num sério problema de saúde pública. Eles são o que de mais atrasado existe no tratamento de resíduos.E algumas das mais importantes cidades do País, contrariando a PNRS, estão nessa situação. O trabalho da CNM indica que 16 capitais ainda não contam como os aterros sanitários que devem substituir os lixões, entre elas Belo Horizonte, Brasília, Recife, Manaus e Porto Alegre. Um dos casos mais escandalosos é o do chamado lixão da Estrutural, em plena capital da República, a apenas 16 quilômetros do Palácio do Planalto. Com área de 124 hectares, ele recebe diariamente 2.700 toneladas de lixo produzidas pela população do Distrito Federal, de 2,8 milhões de habitantes. As regiões que se encontram em pior situação são a Norte e a Nordeste, onde mais de 75% dos municípios continuam a usar lixões.Nenhuma autoridade, a começar pelos prefeitos, pode alegar desconhecimento da gravidade do problema ou falta de tempo suficiente para cumprir a meta da PNRS. O projeto de lei que criou esse plano e fixou suas metas tramitou durante quase duas décadas no Congresso e foi sancionado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em agosto de 2010. Os municípios tiveram, portanto, quatro anos para acabar com os lixões. E puderam contar também com ajuda do governo federal, embora, como se constatou, uma grande parte deles nem ao menos se tenha dado ao trabalho de se habilitar.Se o prazo para o fim dos lixões expirou, sem que um grande número de cidades tenha se livrado deles, isso só se explica pela falta de empenho dos prefeitos, que não incluíram essa medida entre suas prioridades, mesmo sabendo que se tratava de uma exigência legal. Repete-se a velha história - obras que não aparecem e, portanto, não rendem votos, como coleta e tratamento de lixo, não recebem atenção e recursos, embora sejam vitais para a população.Em princípio, os prefeitos que agiram irresponsavelmente estariam em maus lençóis, porque as penas previstas pela lei da PNRS são pesadas: multas de R$ 5 mil a R$ 50 milhões, dependendo da gravidade da falta, além de 1 a 4 anos de reclusão para os administradores municipais.A proximidade das eleições e a importância de seu apoio para candidatos de todos os partidos, porém, podem livrá-los dessas punições. Já se busca no Congresso, tudo indica que com o beneplácito do governo, uma forma de conceder novo prazo legal para o fim dos lixões. Prazo que pode variar de 4 a 8 anos.Driblar a lei dessa maneira, desmoralizando a PNRS na sua primeira prova de fogo, será péssimo para o País, porque o problema dos lixões - que são uma ameaça crescente à saúde pública e ao meio ambiente - só tende a se agravar.