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Opinião|É tudo ou nada

Atualização:

Tendo passado a ser inaplicável porque, de uma maneira ou de outra, todo mundo está "fora" dela, a lei converte-se de instrumento de garantia da paz em arma de guerra.

Relatórios trocados entre as instâncias do Judiciário a que estão afetos os brasileiros "especiais" dão conta de que há pelo menos 52 políticos com mandato investigados no "petrolão". Isso sem contar a presidente da República, que presidiu o Conselho de Administração da Petrobrás ao longo de todo o período em que ela foi saqueada, e o seu antecessor.

Aqui, no mundo dos mortais, a Operação Lava Jato já vai pela 18.ª rodada, com nomes até então tidos como poderosos sendo impiedosamente "arrastados pela Medina". Dois anos de pressões surdas do populacho, da imprensa, da Polícia Federal e dos "lobos solitários" do Poder Judiciário não foram suficientes, porém, para que a incolumidade dos integrantes da lista dos "de cima" fosse, nem de leve, arranhada, enquanto todos se mantiveram em silêncio sobre o que sabem uns sobre os outros. 

Mas bastaram uns poucos gestos de desafio ao governo e à hegemonia da velha-guarda da banda mais podre do Congresso que lhe dá sustentação para que, em menos de duas semanas, o rebelde passasse de "nunca mencionado" a diretamente denunciado por um delator e a réu formalmente acusado pela promotoria por corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e o mais que é habitual no pacote.

Não existe, é verdade, nenhum indício, por mais leve que seja, de que ele esteja menos incurso nesses crimes que todos os demais membros da lista dos 52 e tantos outros que nem chegaram a entrar nela. Ainda assim é impossível negar, pela sequência dos acontecimentos, que essa nunca tenha sido a razão para ele abrir solitariamente a fila dos "arrastados pela Medina" da turma "de cima".

É esta a síntese do paradoxo brasileiro: quando o Brasil honesto cogita de festejar uma "vitória da Justiça", o outro comemora mais uma vitória do crime... e os dois estão certos. É o vácuo institucional absoluto.

Dois artigos publicados nesta página na semana passada compõem o pano de fundo. Em Corrupção como forma de poder, José Arthur Giannotti retraçava o reto alinhamento do PT com a tradição leninista de conquista do poder desde o assassinato de Celso Daniel até este ponto, conquista essa que se dá, na releitura do lulismo, pelo recurso sistemático à arma da corrupção (mas não só a ela). E isso para concluir que a situação chegou a tal ponto que a ação dos "lobos solitários" que animam a Operação Lava Jato e seus apoiadores ganhou os contornos de "um movimento político" que congrega todos quantos, dentro ou fora do âmbito do Estado, por terem profissões ou modos de vida dependentes da existência de instituições democráticas, sentem que elas desaparecerão para sempre se o PT conseguir levar a cabo o seu projeto. 

O que o professor esqueceu de mencionar com a devida ênfase é que a mesmíssima asserção é verdadeira para o lado contrário: a vitória final da corrupção é um imperativo de sobrevivência para os mestres de um estilo de "fazer política" e uma vasta pletora de modos de viver e "vencer na vida" aqui fora que desaparecerão para sempre ou mofarão na cadeia se caminharmos em direção ao império da lei sem mais exceções ou adjetivos. E não há que subestimá-los porque são estes - os de dentro e os de fora do universo estatal - que estão no poder.

Não é, portanto, apenas a ameaça de enfrentar a tiros a massa dos brasileiros indignados, feita pelo presidente da CUT de dentro do Palácio de Dilma Rousseff, que confirma a radicalidade dessa aposta sem volta. A sequência de acontecimentos que leva até esta primeira "vitória da lei" contra um integrante da lista dos "de cima", que não pode ser explicada senão com a mistura e a alternância nos papéis de "mocinho" e "bandido" de personagens até então tidos como "acima de qualquer suspeita", indica que gente muito mais poderosa que essa que vocifera nas ruas vestida de vermelho sabe que está jogando tudo nesta parada.

A mesma manobra que faz justiça a Eduardo Cunha põe fora do alcance dela o famigerado Renan Calheiros, o único brasileiro com certificação de corrupto passada por uma das quatro grandes agências internacionais de auditoria. A sequência de reuniões secretas no Porto entre réus e juízes do "petrolão"; a recondução por uma presidente ameaçada de impeachment do titular do posto máximo da promotoria pública; a súbita recuperação de memória de um delator; o "leite-de-pato" do TCU nas "pedaladas" presidenciais; a elevação de Renan Calheiros, que já tinha sido salvo uma vez em troca da desmontagem da Lei de Responsabilidade Fiscal, à função de porteiro do impeachment, agora também pelo STF; o engavetamento da impugnação das contas de campanha do PT pelo TSE; a nomeação para o STJ do apadrinhado do senador que relatará os processos do núcleo político do "petrolão" não é uma série de coincidências, é o "mapa" das forças inimigas.

Modesto Carvalhosa, em artigo também nesta página, alertou a Nação para o fato de que a mesma quadrilha que seguiu impávida assaltando o País de dentro das prisões e de cima dos bancos dos réus do "mensalão" e do "petrolão" acaba de apresentar projeto de lei na Câmara, a ser votado até o fim deste mês, que altera a Lei Anticorrupção para permitir que as 29 empreiteiras e fornecedoras do "petrolão" voltem a contratar com a Petrobrás e demais entes públicos. Agora, por cima de tudo, Joaquim Levy passa a ser, oficialmente carta fora do baralho, dispensa-se a diplomacia de Michael Temer e reabre-se a distribuição de dinheiro público a quem for bonzinho com o PT no que resta da economia privada. É o "mapa" das forças auxiliares que se quer cooptar aqui fora.

Não tem mais volta. Escolha o seu lado. Reduzido às proporções que o Brasil pôde medir pelas "manifestações" de quinta-feira e rolando nos escombros de uma crise que facilita a conflagração do País, o PT dobra a aposta na corrupção e no assalto final às defesas democráticas da Nação. Agora é tudo ou nada.

*Fernão Lara Mesquita é jornalista, escreve em www.vespeiro.com

Opinião por Fernão Lara Mesquita