11 de junho de 2016 | 03h00
O repúdio foi geral e a cobrança às autoridades foi imediata. Nem podia ser diversamente. O triste episódio precisa ser bem esclarecido e seus autores, chamados às contas com a Justiça pelos seus atos. Porém, vale perguntar se esse fato interessa apenas à polícia e à esfera judiciária. Se é suficiente que haja leis repressivas contra comportamentos e atitudes antissociais e desrespeitosas às pessoas. Afinal, é o Código Penal que deve regular a conduta das pessoas? Pode-se tudo, contanto que a polícia não pegue nem venha a saber?
Na opinião pública, houve críticas aos comportamentos machistas, e não é sem razão. Denuncia-se, também, a “cultura do estupro” e se apela à sua superação. Nada mais justo, onde houver manifestações dessa cultura. A questão, porém, é saber se tudo se resolve por meio da luta contra o machismo e a cultura do estupro. Vai superar isso como? Com mais leis repressivas e cadeia? Há muito a ser questionado sobre o tipo de educação e de formação da cultura que se tem. Quem não educa, comece logo a construir mais prisões.
A verdade é que se fala pouco em cultura do respeito à pessoa e à sua dignidade, respeito ao seu corpo e sua alma. Fiquemos apenas no campo da sexualidade, uma vez que estamos com um caso do estupro coletivo: ainda se fala do significado alto da sexualidade na vida das pessoas e nas relações interpessoais? Deixou-se de abordar abertamente os valores morais relacionados com a sexualidade e se ridiculariza ou desqualifica quem o faz. No entanto, não se tem problemas em expor à atenção morbosa o que é grotesco e até aberrante em relação à sexualidade e aos comportamentos sexuais. Há interesse (este também seria cultural?) na banalização da sexualidade, na sua exploração econômica e no “uso” do sexo como um brinquedo, sem consequências e responsabilidades.
Na sua recente Exortação Apostólica Amoris Laetitia, sobre o amor na família, o papa Francisco também aborda a educação sexual e moral, como tarefa da família (cf n.º 280-286). O Concílio Vaticano II (1962-1965) já havia tratado da necessidade de uma educação sexual positiva e prudente, oferecida a crianças e adolescentes, sem deixar de levar em conta as contribuições da psicologia e da pedagogia.
Não é fácil falar em educação sexual em tempos de exposição erótica difusa e exacerbada. O mercado da pornografia e da prostituição está entre os ramos mais exuberantes da economia. Submersa, é claro! Os pressupostos ao alcance de todos, mesmo de crianças e adolescentes, são os de uma sexualidade banalizada e desvinculada de sua dimensão personalista. O sexo é tratado como coisa a ser “usada”, sem ter em conta a pessoa por inteiro: “Sinto-me um lixo; mais que o útero, é a alma que dói”, desabafou a adolescente vítima do estupro coletivo no Rio de Janeiro.
Ao propor a educação sexual nas escolas e na opinião pública, o foco fica restrito, geralmente, à prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e do “risco” da gravidez indesejada (como se doença também fosse!). Alguém ainda ousa falar claramente que há uma idade conveniente para a prática do sexo? Ou em normas morais e até de boa educação a serem levadas em conta nos comportamentos e nas práticas sexuais? A justa preocupação com a prevenção de doenças, quando unilateral, poderia passar a ideia de que, “usando preservativo, o resto pode tudo”, dando um aval implícito para atitudes machistas e atos sexuais irresponsáveis.
Além da prevenção de doenças e da gravidez precoce, também seria importante abordar, na educação sexual de crianças e adolescentes, o respeito à pessoa, a formação para atitudes pessoalmente dignas e socialmente responsáveis e a formação do caráter. “Mas quem fala hoje dessas coisas?”, pergunta o papa Francisco no documento anteriormente citado (n.º 284). Não basta saturar as crianças e os adolescentes de informações, sem ajudá-las a desenvolverem o senso crítico perante a multiplicidade de propostas e abordagens, as mais contraditórias possíveis.
Sob a alegação de que a moral é uma questão da vida privada, ou até religiosa, evita-se relacionar a prática sexual com a moralidade. E quem ainda o faria, sem ser logo tachado de moralista ou obscurantista e acusado de impor suas convicções subjetivas aos outros?! Como quer que se denomine a moralidade – respeito, responsabilidade, dignidade –, sempre se trata da mesma coisa. De um lado, o politicamente correto manda calar qualquer proposta moral; do outro, esperam-se comportamentos moralmente corretos, sem os ter afirmado e ensinado. Isso não revela certa esquizofrenia no discurso e na cultura?
Quando se pretende, com razão, a superação da cultura machista e do estupro, deseja-se o respeito à mulher, a valorização de sua dignidade pessoal e a superação de comportamentos inadequados em relação a ela. Como conseguir isso, sem um amplo processo de educação formal e informal da criança ao adulto, sem falar das implicações éticas e morais dos comportamentos relacionados com a sexualidade? Mais ainda que no Código Penal e na ação policial, é no coração e na consciência de cada pessoa que deve estar marcado o limite entre o “pode-não pode”. Também para os comportamentos e atos sexuais.
*Dom Odilio P. Scherer é carderal-arcebispo de São Paulo
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