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Eles não desistem

Partidos e políticos que têm motivos para se preocupar estão se esmerando há tempos em arquitetar meios de se proteger do longo braço da lei

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Por Redação
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Cientes de que se aproxima a hora da verdade, em que se verão expostos de vez ao escrutínio público e judicial gerado pela Operação Lava Jato, partidos e políticos que têm motivos para se preocupar estão se esmerando há tempos em arquitetar meios de se proteger do longo braço da lei. Desde o ano passado – quando alguns parlamentares manobraram para tentar aprovar projeto que anistiaria partidos e políticos flagrados praticando caixa 2 e só recuaram porque foram denunciados por alguns colegas –, multiplicam-se as investidas dos políticos para que crimes eleitorais sejam perdoados. O argumento – melhor seria dizer a desculpa esfarrapada – é que a punição aos partidos, especialmente a pecuniária, pode levá-los à extinção, com o consequente colapso da democracia representativa.

Ora, não deveria ser necessário dizer que os partidos, bem como o resto da sociedade, são obrigados a andar na linha. Não é porque representam (ou deveriam representar) os interesses dos eleitores e, por essa razão, são um dos pilares do regime democrático que podem se considerar acima da lei – nem, muito menos, inventar normas que lhes deem um status jurídico especial.

Pois é exatamente isso o que alguns parlamentares pretendem mais uma vez. A Comissão de Reforma Política da Câmara vai colocar em pauta um projeto que perdoa as multas impostas pela Justiça Eleitoral aos partidos. “Como não tem mais doação privada, é razoável a anistia dessas multas”, explicou, com impressionante simplicidade, o relator da comissão, deputado Vicente Cândido (PT-SP).

As multas eleitorais representam a punição por alguma conduta ilegal – campanha antecipada, propaganda sem autorização, divulgação de pesquisa irregular, compra de votos e gastos acima do permitido, entre outras. Todos esses delitos são tentativas de desequilibrar artificialmente a disputa pelo voto. Nem é preciso dizer que uma eventual anistia aos infratores configuraria inaceitável impunidade dos que conspurcam um dos princípios essenciais da democracia – a representatividade.

Mas o aspecto mais chocante da nova ofensiva dos deputados é a premissa segundo a qual a anistia é necessária para garantir a sobrevivência dos partidos. As legendas estão na pindaíba e correm o risco de desaparecer, segundo o deputado Cândido e outros, porque o Supremo Tribunal Federal proibiu as doações empresariais para as campanhas eleitorais. E proibiu, como se sabe, porque grandes grupos empresariais estavam a capturar o poder político por meio do financiamento eleitoral.

Restou aos partidos recorrer a doações de pessoas físicas, isto é, os eleitores propriamente ditos. É evidente que, ainda viciados no dinheiro fácil de generosos empreiteiros, os partidos vêm tendo dificuldade para convencer eleitores comuns a bancar não apenas seus gastos de campanha, mas também as eventuais multas eleitorais. Diante das escassas doações dos militantes, as legendas se escoram no Fundo Partidário, que é uma dotação orçamentária da União, ou seja, obriga o contribuinte a bancar partidos políticos com os quais não têm nenhuma afinidade.

O problema, para os partidos, é que a lei proíbe que se quitem as multas eleitorais por meio do Fundo Partidário, porque uma parte desse fundo é composta justamente pelas multas pagas pelos partidos. “É um problema posto, e a proposta (de anistia) tem lógica. Como não pode usar o recurso (do Fundo Partidário), como o partido vai fazer?”, perguntou o presidente da Comissão de Reforma Política, Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).

A resposta a essa questão é uma só: os partidos devem aperfeiçoar seu poder de persuasão, que é próprio da política, e se tornar verdadeiros representantes de ideias e projetos para o País, atraindo o voto e o apoio político e financeiro dos eleitores. Mas, como isso demanda considerável esforço, ao qual muitos políticos não estão habituados, os partidos multados reivindicam receber tratamento especial, para poderem continuar a delinquir livremente em nome da democracia.