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Opinião|Em boa hora, o papa vai entrar em campo

Atualização:

É uma notícia auspiciosa (Estado, caderno Aliás, 5/4): o papa Francisco pretende centrar no tema "meio ambiente e pobreza" sua primeira encíclica, a ser conhecida nas próximas semanas. O documento incluirá também em destaque as mudanças climáticas, juntamente com considerações sobre a desigualdade econômica no mundo e a afirmação de que "o homem esbofeteou o rosto da natureza". Se estivesse vivo, quem se alegraria com a notícia seria dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, um dos criadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - cujo processo de beatificação e canonização acaba de ser aberto (Estado, 9/4) - e que passou a vida dedicado a ações em favor dos setores mais carentes da sociedade. No mundo de hoje, a questão não pode passar em branco. Principalmente o que acontece na área dos resíduos, do lixo, em que 15 milhões de pessoas - 4 milhões na América Latina - ganham o sustento da família trabalhando com a reciclagem (Banco Mundial, 16/1). Enquanto isso, diz a Agência de Proteção Ambiental dos EUA que no seu país 34 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas a cada ano, parte dos 5% do lixo mundial gerado em território norte-americano (segundo a OCDE, os 34 países mais ricos produzem 50% do lixo total no mundo, que chega a 1,2 bilhão de toneladas anuais (Amazônia.org, 17/1). Não estamos fora das estatísticas. Há poucos dias (6/4) o Ministério da Agricultura anunciou que vai estimular o consumo de frutas e hortaliças "feias", que não conseguem mercado e são jogadas fora; daqui por diante poderão ser vendidas diretamente aos consumidores. Segundo estudo da Embrapa, são 30% das frutas e 35% das hortaliças, por causa de embalagens inadequadas, danos no transporte e manuseio, inclusive nas centrais de abastecimento e supermercados. Isso num país que ainda tem, entre beneficiários do Bolsa Família e pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza, cerca de 50 milhões de pessoas. Somos o terceiro país no mundo (após China e EUA) que mais lixo gera. Estatísticas falam em 220 milhões de toneladas/dia, em torno de 1,2 quilo diário por pessoa. E os estudos mostram que só 58% do lixo recolhido tem destinação adequada, 41,7% vão para 1.569 lixões e "aterros controlados" em 3.344 municípios. São Paulo gera 18 mil toneladas diárias de resíduos. Mas há boas notícias. O Executivo federal vetou artigo na medida provisória que, por decisão do Senado, prorrogava por quatro anos o prazo dos municípios para fechar lixões. Já o município de São Bernardo do Campo informou há pouco tempo que estendeu para todas as residências, em toda a cidade, o processo de coleta seletiva; e que até 2017 chegará a 10% o total da reciclagem. O Ministério do Meio Ambiente e entidades representativas das indústrias produtoras de lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista fizeram acordo setorial para implantar a logística reversa na área, que permitirá receber de volta os rejeitos e dar-lhes destinação adequada. O sistema começará por cinco Estados (SP, RJ, PR, RS e MG). Também vale a pena mencionar que no Departamento de Pesquisa da USP em São Carlos (SP) se conseguiu retirar parte do lixo despejado em esgotos e utilizar na produção de concreto e areia, agora misturada à areia comercial. Além disso, cerca de 15% do que surge na limpeza está em plásticos, tecidos, papéis e "até preservativos" (ambientebrasil, 23/3). Já o engenheiro eletrônico e professor Luís Namura conseguiu, com uma equipe de pesquisadores, desenvolver, em laboratórios coligados ao Instituto Tecnológico da Aeronáutica, processo que dissocia a matéria em seus elementos componentes (quebra as moléculas) e, a partir daí, quando essas partículas se reagrupam, formar novos elementos úteis para propósitos humanos. A energia necessária vem do próprio resíduo, que deixa de ser lixo. Os subprodutos são totalmente inertes, formam uma pedra (composto cerâmico) com a consistência da brita, com valor comercial. E subprodutos do processo, como alumínio de embalagens tetrapack, podem ser recuperados. No processo também se pode recuperar energia, com cogeração, a partir dos gases. O processo já foi patenteado. Em hora de avanços como esses, o Ministério de Minas e Energia consegue aval do Tesouro Nacional para empréstimo de R$ 3,8 bilhões destinados a custear um terço das obras da usina nuclear Angra 3 (O Globo, 9/4) e aumentar a produção de energia - e do perigosíssimo lixo nuclear, para o qual não se encontrou ainda solução no mundo (aqui ele continua a ser armazenado nas próprias usinas). O custo final da usina já dobrou em relação aos cálculos iniciais: está em mais de R$ 13 bilhões. Já a Justiça Federal embargou acordo da prefeitura de Tabatinga (AM) com a da cidade de Letícia, na Colômbia, que lhe permitiria importar o lixo da última, que não consegue, na temporada de chuvas, transferi-lo para um lixão. A Prefeitura de Tabatinga alega que já exportou seu lixo para Letícia em condições semelhantes. Para completar, continuamos mergulhados no drama do cancerígeno amianto, do qual somos o maior exportador (embora ele esteja proibido em mais de 50 países). O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu que é constitucional a lei estadual que proíbe a extração e exploração do amianto crisotila ou branco (Fernanda Giannasi, 7/4) - embora haja legislação federal (9.055/1995) em sentido contrário. No Brasil são vendidas 150 mil toneladas anuais do produto, principalmente em 160 milhões de telhas e 1,5 milhão de caixas d'água por ano. E há milhares de casos comprovados de doenças graves provocadas pelo produto. E assim vamos, pra frente e pra trás, com a geração de resíduos urbanos, segundo a ONU (amazonia.org, 12/1), crescendo três vezes mais rapidamente que a população mundial. *Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br 

Opinião por Washington Novaes