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Em jogo, o esforço de um ano

Crise política pode mandar ajustes e reformas para o ralo

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Por Redação
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O Brasil pode perder um ano de trabalho duro, refletido nos sinais de melhora da economia, se a crise política mandar para o ralo o programa de ajustes e de reformas e, muito provavelmente, de controle da inflação. Não se trata apenas de jogar fora o crescimento contabilizado entre janeiro e março e a tendência de estabilização observada a partir daí. O risco é muito maior. Ninguém tem deixado isso mais claro que o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, apesar de seu esforço para ostentar algum otimismo. Em contatos com investidores, assim como na entrevista ao Estado publicada na segunda-feira, Goldfajn tem estado na linha de frente dos defensores da pauta de mudanças econômicas estruturais e de reparo das finanças públicas. O balanço de um ano de esforços tem sido um dos pontos centrais dos comentários do presidente do BC. Há um ano a política econômica mudou de rumo, tem repetido Goldfajn, chamando a atenção para os efeitos positivos da nova orientação. O risco Brasil caiu pela metade no mercado financeiro. Depois de dois anos de recessão, há um cenário de estabilização e perspectiva de retomada gradual do crescimento. Os números do primeiro trimestre mostraram crescimento econômico de 1% em relação aos três meses finais de 2016. Esse avanço foi puxado pela agropecuária, mas também foram observados sinais positivos em outros setores. O setor externo vai bem, os investimentos estrangeiros cobrem com ampla folga o déficit nas transações correntes e o volume de reservas cambiais ultrapassa US$ 375 bilhões, constituindo um bom colchão de segurança. A mensagem é clara: apesar das muitas dificuldades à frente, resultados favoráveis foram acumulados, graças ao esforço de um ano, e o Brasil poderá perdê-los, se as autoridades forem incapazes de administrar a crise atual. Por enquanto, segundo Goldfajn, a desinflação continua, as expectativas se mantêm favoráveis e há condições para o Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, continuar afrouxando as condições de crédito. O ritmo de afrouxamento e a extensão dessa política serão determinados, naturalmente, pelo reexame dos cenários interno e externo em cada reunião do comitê. O fator de risco principal é o aumento da incerteza quanto à “velocidade do processo de reformas e de ajustes”, diz o presidente do BC, reiterando mensagem difundida várias vezes desde a última decisão sobre a taxa básica de juros. A política de juros volta sempre ao centro dos comentários. É um fator de grande importância para a evolução do crédito, para as decisões de investimento na capacidade produtiva e, enfim, para a continuidade e a consolidação do crescimento econômico. O agravamento da incerteza política pode afetar as decisões sobre esse item e, portanto, travar a expansão dos negócios e a criação de empregos. Dados positivos continuaram surgindo no começo do segundo trimestre. Em abril, o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) foi 0,28% maior que o de março, descontados os fatores sazonais, segundo informação distribuída na sexta-feira. O número acumulado em quatro meses foi 0,44% inferior ao de um ano antes, na série sem ajuste, mas dados parciais coletados até maio continuaram apontando maior dinamismo – e até contratações de pessoal – em alguns segmentos industriais. Os efeitos da crise iniciada no mês passado, com acusações ao presidente da República, ainda vão ser avaliados. Há pouca segurança, por enquanto, para estimar o desempenho geral da economia no segundo trimestre. O balanço final do ano será determinado pela confiança de empresários, de investidores e consumidores. A disposição de consumir continuará dependente, em boa parte, da oferta de empregos. Quanto menor a perspectiva de ajustes e reformas, tanto mais difícil e demorada será a recuperação das contas públicas, tanto pior a avaliação do País e tanto mais atrasadas a retomada econômica e a criação de empregos. Perdido o esforço de um ano, o tempo necessário para sair novamente do buraco poderá ser muito maior.