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Encontro histórico

Kim Jong-un é o primeiro governante do Norte a pisar no Sul desde 1953

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Por Redação
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Ao final da Conferência de Potsdam, em 22 de agosto de 1945, ficou estabelecido que a Península Coreana, até então controlada pelo Japão, seria dividida pelo paralelo 38. A porção norte da Coreia tornou-se zona de influência da então União Soviética. A porção sul, dos Estados Unidos. Cinco anos após o arranjo geopolítico que marcou o fim da 2.ª Guerra, tropas norte-coreanas cruzaram o paralelo 38 e invadiram a Coreia do Sul. Começava uma guerra que até hoje não terminou do ponto de vista formal. Em 1953, com suas tropas exauridas pelo conflito, os dois países assinaram um armistício.

Ao se cumprimentarem na manhã de quinta-feira passada precisamente no paralelo 38, na Zona Desmilitarizada de Panmunjom, o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, fizeram história. Kim Jong-un é o primeiro governante do Norte a pisar no Sul desde 1953. Houve outras duas cúpulas, em 2000 e 2007, quando o líder da Coreia do Norte era o pai de Kim Jong-un, Kim Jong-il, mas esta foi a primeira realizada no Sul.

O governo brasileiro, por meio de nota do Ministério das Relações Exteriores, saudou o encontro e reafirmou o compromisso do Brasil “com a paz, o banimento das armas nucleares e o primado da diplomacia e do direito internacional na solução de conflitos”.

A cúpula intercoreana foi um significativo passo para que se chegue à estabilidade em uma das mais tensas regiões do planeta. Na Casa da Paz, Kim Jong-un assinou um livro de visitas afirmando que “uma nova história começa agora, no ponto inicial da história e na era da paz”. Moon Jae-in foi eleito em 2017 pregando a coexistência e a cooperação entre os dois países.

O encontro entre os líderes coreanos deve ser visto em sua exata dimensão histórica. Certa dose de cautela quanto aos desdobramentos práticos da cúpula se faz necessária, mas as posições dos envolvidos no conflito levam a crer que a paz duradoura na região já não é um cenário impossível.

À Coreia do Norte interessa reconhecimento internacional e desenvolvimento econômico por meio do levantamento das atuais sanções impostas pelos Estados Unidos e seus aliados, além da abertura ao comércio global. À Coreia do Sul interessa a reunião do país e das famílias divididas pela guerra e pela ideologia. Aos americanos, é vital conter as ambições nucleares de Kim Jong-un. Seu arsenal nuclear pode ser rudimentar em comparação ao de países desenvolvidos, mas os estragos que a Coreia do Norte é capaz de provocar não são nem um pouco desprezíveis. Tanto é assim que este – o poderio nuclear – foi o capital que fez de Kim Jong-un um líder apto a negociar com nações militarmente muito superiores a seu país.

Já à China e à Rússia, países que apoiam a Coreia do Norte, interessa um acordo que traga estabilidade a uma área conflituosa e mais militarizada do mundo. A nenhum dos players globais preocupados com os desdobramentos geopolíticos na Península Coreana interessa um recrudescimento das hostilidades entre o Norte e o Sul.

Kim Jong-un afirmou estar disposto a negociar com Moon Jae-in “com o coração aberto todas as questões envolvidas na melhora das relações intercoreanas e para alcançar a paz, prosperidade e a reunificação da península”. Sem dúvida, é uma declaração auspiciosa do líder norte-coreano. Mas não se pode olvidar que a Coreia do Norte tem um dos mais duros regimes do planeta. Prisões arbitrárias são comuns. Sobre o líder norte-coreano pairam suspeitas de ter mandado matar membros da própria família. Portanto, é preciso tomar com as devidas cautelas as declarações que partem de Pyongyang.

A reunificação dependerá de um lento e cauteloso processo de negociação não só entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, mas também entre os países com interesses naquela região, como a China, a Rússia e os Estados Unidos. É correto dizer, porém, que se está diante da melhor oportunidade em 65 anos para que o paralelo 38 volte a ser tão somente uma coordenada geográfica.